Cannes: Un Beau Matin - Crítica do Chippu

Cannes: Un Beau Matin - Crítica do Chippu

Com ótima atuação de Léa Seydoux, Mia Hansen-Løve busca mostrar as várias facetas de uma mulher francesa

Guilherme Jacobs
20 de maio de 2022 - 5 min leitura
Notícias

CANNES - O Festival de Cannes não poderia passar sem o obrigatório filme francês sobre casos extraconjugais. Em 2022, a excelente diretora Mia Hansen-Løve foi a responsável por encarar o tema mais associado com o cinema de seu país. Mas em Un Beau Matin (Uma Boa Manhã, em tradução literal), ela se coloca do outro lado da equação na qual algumas de suas personagens, como as protagonistas de O Que Está Por Vir e Ilha Bergman, se encontram. Sandra (Léa Seydoux) é o objeto de desejo aqui.


Uma jovem viúva com uma filha pequena, Sandra é poliglota e tradutora profissional. Ela também está lidando com a doença neurodegenerativa que afeta seu pai (Pascal Greggory, excepcional e trágico no papel) e, claro, com a vida solteira em Paris. À primeira vista, ela parece ter entrado num ritmo cotidiano confortável. Um olhar mais atento, porém, revela uma personagem com desejo de evitar mais sofrimentos, preferindo se afogar lentamente na zona de conforto do que se expor para outro baque doloroso. Isso, claro, não impedirá a deterioração do pai. Agora, com o fim se aproximando rapidamente para o último homem presente em sua vida, Sandra precisa encarar alguns demônios.


Paralelo às visitas ao seu pai, Sandra reencontra Clemént (Melvil Poupaud), melhor amigo de seu falecido marido. Ele está passando por uma crise no casamento e se distanciando cada vez mais da esposa e filho. Não demora para os dois buscarem consolo um no outro. O relacionamento dos dois se torna tanto um dos maiores méritos de Un Beau Matin como também a principal pedra em seu caminho, simultaneamente entregando química e romance graças ao trabalho e, francamente, sensualidade de ambos atores, mas também empurrando o longa para um território familiar e pouco interessante.


Já a perda inevitável do pai serve como catalisador para Sandra. Seu coração precisa de um choque para voltar a bater e a tristeza palpável nas cenas entre Seydoux e Greggory tem o impacto necessário para fazer o sangue fluir. Os momentos estão entre os melhores de toda a obra, com Hansen-Løve misturando doses complementares de melancolia e nostalgia para comunicar anos de relacionamento entre os dois através de uma troca de olhares - ou, na maioria dos casos, no olhar dela para ele. A fotografia calorosa e quieta de Denis Lenoir é seu maior aliado nessa busca, transformando os encontros entre gerações em situações das quais queremos, ao mesmo tempo, fugir e permanecer, habilmente transmitindo o contraste entre a alegria perdida e a tristeza presente.


Onde Un Beau Matin falha é em fazer alguma conexão significativa entre os significados propostos pelos dois homens na vida de Sandra. Seydoux, que aqui entrega uma de suas mais eficazes atuações como centro de uma narrativa, é capaz de nos convencer da coexistência de diferentes emoções dentro de Sandra, mas o roteiro de Hansen-Løve não se mostra suficiente para preencher o vazio no qual a atriz tão bem se apresenta. É difícil não enxergar o caso com Clemént como uma tentativa de Sandra de, simplesmente, encontrar algo que a faça se sentir bem num período de perdas e luto. Não há nada de errado com isso (bom, tirando a traição, claro), mas Hansen-Løve se prende ao melodrama quando podia, como fez em Ilha Bergman, oferecer uma perspectiva mais profunda do interior de sua protagonista.


O filme, porém, merece créditos pela maneira honesta como trata Sandra. Seja nas risadas da personagem nas cenas com sua mãe e irmã, no carinho do relacionamento com a filha, e até mesmo na demonstração de suas qualidades profissionais, Un Beau Matin jamais deixa sua figura principal ser reduzida. Talvez por isso a maneira óbvia como o relacionamento com Clément se desenrola (especialmente em sua conclusão) seja tão frustrante. Seydoux e Hansen-Løve são claramente capazes de mais.

3.5/5

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