Thor: Amor e Trovão - Crítica do Chippu

Thor: Amor e Trovão - Crítica do Chippu

Risadas ocasionais e elenco talentoso não são suficiente para salvar o filme do vazio em sua narrativa

Guilherme Jacobs
5 de julho de 2022 - 11 min leitura
Notícias

No começo de Thor: Amor e Trovão — num dos vários diálogos do filme de Taika Waititi no qual um personagem resume convenientemente todos os seus problemas em uma ou duas frases dotadas da energia do emoticon :(: — o deus do trovão vivido por Chris Hemsworth admite para Peter Quill (Chris Pratt) que mantém outras pessoas à distância, sem deixar ninguém se aproximar muito, porque tem medo de se ferir. Waititi depois demonstra essa fraqueza ao mostrar Odinson relutando para dizer adeus aos Guardiões da Galáxia quando os heróis decidem se separar, preferindo manter-se dentro de uma zona de conforto onde nada é muito importante e tudo é motivo de piada, especialmente ele mesmo.


O momento serve, acidentalmente, como um exemplo das vantagens e desvantagens da abordagem do diretor neozelandês. Thor: Amor e Trovão é engraçado. Às vezes é muito engraçado. Mas, ao rir tanto de seu próprio conteúdo, ele esvazia a bexiga e perde o fôlego para qualquer elemento dramático.


Claro, os filmes da Marvel, muito menos da versão do Thor vista nos filmes de Waititi, não precisam de Drama para funcionar, mas quando você repetidamente diz que nada ali é digno de ser minimamente considerado com honestidade, quando tudo vira motivo de chacota pelo próprio roteiro, é difícil se importar com qualquer coisa acontecendo. Não é questão de se levar a sério. Basta acreditar em algo.


Novamente, há material ali digno de risadas — uma das melhores brincadeiras envolve o “ciúme” entre o Rompe-Tempesta e Mjolnir, machado e martelo do Thor, respectivamente — e não é possível negar que Waititi é o grande responsável pela transformação de Hemsworth em potência cômica. Aqui, ele é essencial. Hilário em diversos momentos e perfeito como o idiota adorável, o ator é o corpo (muito bem definido) e a alma da obra, e está na mesma sintonia do diretor. Como dupla de brincalhões, os dois possuem uma das dinâmicas mais distintas do MCU.


O problema, porém, é que Waititi vê Thor e essa história como descartáveis. Muito se criticou a decisão de Sam Raimi de “desrespeitar” o fanservice com seu tratamento do Illuminati em Doutor Estranho, mas se tais reclamações são válidas (não são), então algo como Amor e Trovão mereceria muito mais indignação. A auto depreciação do material, aqui, é completa.


Enquanto o lúdico é uma ferramenta essencial em todo o universo Marvel, as melhores obras do estúdio ainda acreditam na validade de seus personagens como construções narrativas. Aqui, ao continuar debochando do príncipe asgardiano, e ainda por cima numa história sobre como os deuses falsos criados por homens não são dignos de adoração e argumentando contra a idolatria, Waititi parece determinado a nos fazer rir mesmo se isso custar qualquer possibilidade de conexão com o protagonista. O que são super-heróis, senão os mitos modernos? E o que é essa história, senão uma crítica à mitologia


Então, quando somos desafiados a nos importar com a crise de identidade enfrentada por Thor após milênios de perda e trauma, mas vemos que nem o diretor, nem o ator parecem acreditar nessa premissa, o que devemos fazer?


Waititi parece funcionar como cineasta em total liberdade (O Que Fazemos nas Sombras) ou com limitações saudáveis (The Mandalorian), mas nesse meio termo de piadas e importância, ele cria uma espécie de caleidoscópio do niilismo cômico representante da pós-modernidade. Um Tiktok em que nada importa, mas tudo é engraçado.


A estética colorida mas sem grande identidade também não ajuda, particularmente na péssima cena da Cidade da Onipotência, que apresenta Zeus (Russell Crowe). É uma sequência de 15 minutos na qual a tonelada de efeitos especiais usada para tentar emular o estilo dos quadrinhos dos anos 1960 acaba transformando o cenário numa massa amorfa de computação gráfica. Pior é o desperdício da trilha sonora, repleta das melhores músicas de Guns & Roses. É quase imperdoável usar “November Rain” e “Sweet Child o’ Mine” sem criar nenhum momento memorável.


Ajuda, então, ter ótimos atores em todos os papéis; Hemsworth, Tessa Thompson, Natalie Portman e especialmente Christian Bale são essenciais em transformar o potencial “nada” de Amor e Trovão em… alguma coisa. Esta não está entre momentos mais altos do estúdio, nem entre os piores. Artificial em sua fotografia e básico em trama, o quarto longa-metragem do Thor pouco tem a dizer sobre o MCU ou si mesmo. Como comédia romântica, ele tem seus momentos, mas precisa de um excelente elenco para se salvar da mediocridade.


Portman, talvez, seja o melhor exemplo desse efeito. O potencial de Jane Foster como um todo é desperdiçado por Waititi. Ela foi diagnosticada com câncer terminal e está próxima de morrer, mas consegue reconstruir o Mjolnir numa tentativa de obter saúde por meio da sua magia. O dilema é destrinchado da maneira mais básica e previsível possível, sem nunca oferecer um insight interessante nos medos e preocupações da cientista ou mesmo gastar muito tempo nas consequências da doença para aqueles ao seu redor.


Entretanto, em algumas cenas no hospital, a atriz — a pior do grupo em timing cômico, mas capaz de convencer como heroína e excelente como humana — consegue nos trazer para perto, tornando o drama palpável. Sempre melhor em atuações mais contidas e íntimas, Natalie Portman transforma o que poderia ser só um clichê em uma jornada competente de alguém lidando com algo incurável.


Mas, assim como ela faz ao tentar fugir de Thor quando ele descobre o diagnóstico, o filme dá dois passos para trás imediatamente após avançar, preferindo brincar ao invés de confiar mais na sua atriz. Como consequência, a ideia de que Foster, ao se tornar a Poderosa Thor, poderia transcender seu status de coadjuvante motivador do herói masculino, é jogada pela janela. Ela serve apenas para incentivá-lo.


O grande destaque do elenco, porém, precisa ser Christian Bale. Como o vilão Gorr, o Carniceiro dos Deuses, o ator segue o restante do grupo ao se entregar ao exagero, mas de forma diferente. Ele é o último sobrevivente de seu povo, armado com a poderosa Necroespada e determinado a exterminar todos os deuses após ser decepcionado por sua divindade. Enquanto Portman voa nos momentos introspectivos, Bale é um dos atores mais shakespearianos de sua geração e entrega, aqui, uma figura trágica digna de Hamlet. À primeira vista, Gorr uma antítese do resto do filme — inclusive na apresentação visual do seu reino, preto-e-branco em oposto ao mundo saturado dos deuses — e, com a atuação de Bale, termina como um complemento para a obra.


Se Hemsworth e Thompson estão totalmente a bordo do ridículo, Bale decide ir na direção oposta e acaba se encaixando no quadro completo porque, como seus colegas de tela, desconhece limites. Em suas expressões viscerais ou fisicalidade fantasmagórica, ele é tão grandiosamente barulhento quanto qualquer outro aspecto de Amor e Trovão, mas com sua identidade teatral de alguém que leva todo papel, mesmo os cômicos, como dignos de seu total respeito. Bale leva tudo a sério demais, e por isso se torna uma refrescante alternativa no deserto onde as risadas secaram todo o ar.


A jornada de Gorr, assim como as dos outros personagens aqui, não é inovadora ou muito impactante, mas graças ao seu intérprete, ele merece ser visto como o raríssimo exemplo de vilão interessante e memorável do MCU. Na verdade, junto com o roteiro de Waititi e Jennifer Kaytin Robinson, Bale forma o ponto de vista de Gorr de maneira tão eficaz que é difícil não concordar com ele. Por isso, a conclusão do filme — sem spoilers, prometo — é tão frustrante. Apesar de criativa visualmente e de permitir um epílogo genuinamente caloroso no qual Thor encontra um novo propósito, a reta final de Amor e Trovão colhe os defeitos plantados pelo diretor no restante da trama. Amor e Trovão não fazem o suficiente para nos convencer que a existência desses ídolos é justificada.


Com exceção de Thor, todos parecem egoístas, glutões e mesquinhos. Taika Waititi se mostra ciente disso e é proposital nessa representação, mas essa precisão não está presente na defesa de Thor de manter esses seres vivos. Quando a resposta final para impedir o plano de Gorr termina como algo tão batido como “o poder do amor” e serve para proteger pessoas com quem não nos importamos ou até detestamos, por que deveríamos discordar do Carniceiro? Comecem o churrasco.


Talvez Thor seja um herói grandioso, e um personagem tão digno do nosso afeto, que ele sozinho seja suficiente para nos colocar contra o plano de Gorr. Talvez. Mas a julgar pelo tratamento do filme, ele não passa de uma piadinha. Embora divertida, ela desaparecerá de nossa mente rapidamente.


2.5/5

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