Ataque dos Cães - Crítica do Chippu

Ataque dos Cães - Crítica do Chippu

Chefiado pela atuação monumental de Benedict Cumberbatch, novo drama de Jane Campion merece favoritismo no Oscar

Guilherme Jacobs
12 de outubro de 2021 - 11 min leitura
Notícias

Logo no começo de Ataque dos Cães, o agressivo, imponente e dominante Phil (Benedict Cumberbatch) insiste em questionar seu irmão, o mais quieto, calmo e tímido George (Jesse Plemons) se ele percebe algum significado na data, eventualmente revelando o significado da mesma. É o trigésimo aniversário de quando Bronco Henry, uma figura paterna e mentor para os dois, os ensinou a serem cowboys; como cavalgar, tirar couro de vacas, cuidar de rebanhos e assim vai. Essa interação, nós entenderemos com o decorrer do filme, revela tudo sobre a dupla e serve como exemplo da cuidadosa narrativa construída pela diretora Jane Campion em seu novo faroeste dramático, adaptado do homônimo romance de Thomas Savage pela cineasta para resultar num dos mais eficazes, interessantes e convincentes longas-metragens do ano, completo com uma textura inesquecível encabeçada por um elenco inteiramente em seu ápice, cada um entregando a melhor atuação da carreira.


Ambientando em Montana no começo do século vinte, Ataque dos Cães abre com a narração de Peter (Kodi Smit-McPhee), um jovem cujo interesse reside mais em flores e anatomia, deixando de lado o sonho americano do chapéu e revólver. Ele conta como, depois do suicídio do pai, passou a ter um intenso desejo de proteger a mãe, a doce mas traumatizada Rose (Kirsten Dunst) de qualquer força maligna, particularmente se ela vier de um homem cujo principal poder vem do abuso verbal e psicológico de outras pessoas. Um homem como Phil Burbank. Acompanhado de seu irmão e trabalhadores, Phil vai jantar no restaurante de Rose numa noite com uma série de encontros totêmicos, entre eles, este agressor e sua nova vítima: o próprio garoto, cujo comportamento delicado se mostra um alvo perfeito. A trajetória do outro Burbank, entretanto, também muda. George se apaixona por Rose.


O relacionamento entre Phil e George é um dos mais complexos, interessantes e profundos apresentados por Campion. Seu olhar - sempre aguçado para masculinidade, motivações e interações humanas - cai sobre os dois num ponto de mudança. A dinâmica entre os dois já parece estar mudando; Phil continua chamando George de gordo, mas isso não parece render mais uma reação. O personagem de Cumberbatch - atuando aqui como alguém totalmente imerso nesse oceano de negatividade, mas sempre subindo para respirar e revelar suas fraquezas - é uma máquina de raiva, direcionando sua ira a tudo e nada ao mesmo tempo, aparentemente irritado pela existência de qualquer coisa mas nunca capaz de articular o que, naquele objeto ou pessoa, invoca tanta acidez. Para Phil, o mundo e seus habitantes estão tão interiormente destruídos como ele, quebrados de maneira irreversível e invisível. Mas os seus insultos e olhares furiosos revelam uma profunda insegurança, imperceptível para o olho não treinado, mas clara como o sol para George.


Ao insultar George, Phil está, como tantos bullys, tentando reduzir sua vítima para esconder o próprio complexo de inferioridade. O irmão é o alvo de sua cólera, mas também é seu redentor. Ele quer vê-lo derrotado, mas também anseia por palavras de aprovação. Sua vontade de dominá-lo só não é maior do que seu medo de ser, por ele, abandonado. Após muito sofrimento, imaginamos, George finalmente reconheceu a natureza de Phil. Plemons o interpreta como alguém bem-resolvido. Ele já superou seu parente imediato e agora o observa com um olhar de pena e reprovação em iguais medidas. Semelhantemente, porém, essa fachada esconde a verdadeira natureza do personagem; ele ainda se sente pequeno, necessitado de afirmação e companhia, e em Rose ele encontra a resposta. A mulher o ama com carinho e paciência, levando-o às lágrimas simplesmente por se mostrar disposta a ser sua companhia.


O casal se ama de maneira aliviada. Ela achou a única rosa gentil neste jardim de machismo e ego chamado velho oeste e ele achou a parceira necessária para distanciar-se ainda mais de Phil e da vida passada. Ambos Dunst e Plemons incorporam estes aspectos em tudo; no quebrar de suas vozes, nas expressões faciais recheadas de emoções ou na miríade de diálogos reveladores, eles parecem reconhecer seu romance como uma salvação. George, entretanto, também enxerga nela a chance de impressionar outros. Agora, é sua vez na família. Phil, porém , não vai morrer calado.


Ao criar dois personagens tão complexos, Campion transforma cada interação entre eles (e as pessoas ao seu redor) num jogo de xadrez emocional. Uma leitura superficial de cada cena revelará o estado básico de cada um deles; a fera da fazenda e o bom menino da alta sociedade - cada um desdenhando e desejando o outro. Quando George se casa e traz Rose para morar no rancho Burbank, as tensões crescem exponencialmente. Phil se vê como uma espécie em extinção no mapa mental de George, cujas críticas do irmão se tornam mais ousadas, mesmo se a maneira tímida com as quais elas são expressadas permanece. O roteiro de Campion não cansa de revelar novas camadas sobre seus protagonistas, cada um enquadrando suas ações numa perspectiva inédita e diferente, mas cuja lógica é tão clara, que é se torna impossível imaginar outra saída para o desenvolvimento destas figuras. “É claro,” você pensará ao conhecer os lados mais íntimos de Phil e George.


Campion não cansa de nos surpreender e instigar, e esta complexa dança de cadeiras fica mais perigosa quando Peter chega de férias para passar um tempo com a mãe e seu padrasto. Phil vê a presença de Rose como um obstáculo, alguém cuja mera existência pode revelar falhas nele. Em determinado momento, ele a humilha tocando em seu banjo a melodia com a qual ela está sofrendo para dominar no piano. Mas agora, com Peter, ele tem um bode expiatório para toda essa bagagem acumulada.


Mas Peter enxerga algo em Phil, algo além da visão do próprio George. Phil muda sua atitude em direção ao garoto quando sente essa conexão, decidindo recrutá-lo ao invés de destruí-lo como punição para Rose. O processo revela a necessidade dominadora da mãe sobre seu filho, trazendo à tona vícios e defeitos da mulher. Mas o menino, uma vez indefeso, parece estar inteiramente em casa com sua nascente amizade. Entrar em mais detalhes disso seria um crime, um spoiler muito maior do que qualquer cena pós-créditos da Marvel, mas o relacionamento entre os dois - o foco da segunda metade do longa - é traiçoeiro e, bizarramente, honesto. Ele revela a verdade sobre ambos personagens, mas o faz através de esquemas e dores. Smit-McPhee mostra o potencial real de sua atuação ao se tornar o par de cena de Cumberbatch; antes inseguros e medrosos, seus olhares e falas agora são curiosos e cheios de intenção.


Nesta teia de relacionamentos, segredos e incertezas, Campion constrói um estudo sobre masculinidade e resgate. Seus personagens necessitam de redenção do ataque dos cães, estão cercados de ameaças e sentem o fechar das paredes ao seu redor. Como cada um reage, e quem eles escolhem como messias, é onde acontece o fantástico, intrigante e envolvente drama deste faroeste, trazido à vida pela excelente fotografia de Ari Wegner e pelo pulsar da trilha sonora de Jonny Greenwood, uma forte candidata a melhor do ano.


No centro de todo o drama estão Phil e George. Ao perguntar se George lembra do aniversário do tempo dos dois com Bronco Henry - uma figura cujo papel na história muda conforme entendemos mais sobre seu principal pupilo - Phil está buscando do irmão uma resposta. Se George reconhecer este mentor como algo significativo, não há como superar Phil, o melhor dos dois cowboys. Esta é uma tentativa de, simultaneamente, reduzir e impressionar George. Ao se fazer de besta, George desarma Phil mas não deixa de mostrar sua igual necessidade de vencer o irmão neste embate relacional. Esse mesmo raio-x, íntimo e preciso, é repetidamente feito por Campion para examinar a compulsão humana por narrativas, por uma criação de autoimagem redentiva e vitoriosa.


Conforme Ataque dos Cães fecha sua história, entretanto, entendemos quem são os verdadeiros cães e como eles se comportam. Há os que ladram, mas há os que realmente mordem. Estes, Campion nos mostra, também percebem essa busca por absolvição, e não hesitam em explorá-la.


Nota: 5/5


Este filme foi visto pelo Chippu como parte da cobertura do Vancouver International Film Festival (VIFF).

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