The Green Knight - Crítica do Chippu

The Green Knight - Crítica do Chippu

David Lowery constrói majestosa meditação sobre o poder das narrativas

Guilherme Jacobs
19 de agosto de 2021 - 10 min leitura
Notícias

"O que você vê?
- Lendas
- Não tome seu lugar entre eles preguiçosamente"


Não está claro se, quando Sir Gawain (Dev Patel) responde à Rainha (Kate Dickie) dizendo "lendas," ele quer dizer os cavaleiros da távola redonda ao seu redor durante a festa de Natal do tio, Rei Arthur (Sean Harris), ou se o protagonista de The Green Knight, épico de fantasia de David Lowery, está se referindo às histórias destes homens, aos poemas e canções, parte factuais e parte exagerados, responsáveis por transformá-los em mitos. Está claro, entretanto, que esta é sua motivação para aceitar o "jogo" proposto pelo Cavaleiro Verde (Ralph Ineson, com a voz de mil trovões), a misteriosa e aterrorizante figura cuja proposta é simples: me acerte aqui, e em um ano você deve me encontrar em minha capela para receber de mim o mesmo golpe, seja um corte na orelha, um arranhão no braço ou uma cabeça decapitada. Gawain escolhe a última opção.


Assim começa o filme, baseado no poema do século 14 escrito por Anônimo e traduzido por vários nomes ao longo dos anos, incluindo J.R.R. Tolkien, sobre esta figura arturiana. Um jovem sem histórias para contar cujo desejo - ou sentimento de obrigação - de se tornar um mito o coloca numa jornada tanto tola quanto corajosa, apresentada aqui por Lowery como um estudo narrativo sobre narrativas, particularmente as que criamos e contamos para nós mesmos, Sir Gawain é o sobrinho do lendário Rei de Camelot, filho de uma feiticeira e descolado dentro da cidade, mas só entre aqueles cujos méritos não vêm do campo de batalha ou de outras conquistas. Ao lado destes homens, as linhas faciais de Dev Patel desaparecem, sua pouca experiência dissipa e a juventude de seus olhos é realçada.


"Lembre-se que é apenas um jogo," seu tio o diz logo antes de Gawain decidir decapitar o Cavaleiro Verde, e ver sua vítima pegar a própria cabeça do chão e deixar Camelot rindo com a força de mil mortes. Isso, entretanto, não é suficiente para impedir os aplausos e risos de todos os cavaleiros, a transformação do menino em quadros, em espetáculos com fantoches para crianças e em alguém rico e famoso dentro do reino. Talvez tenha sido a voz do Rei a responsável por convencê-lo a tirar a cabeça do seu desafiante. Os cavaleiros que aplaudiram, realmente o fizeram por admiração, ou por pena, pois sabem o destino do garoto? É impossível dizer, e essa é a tensão presente em todo o longa-metragem.

"É assim que homens tolos falecem
- Ou como homem corajosos se tornam grandes
- Por que grandeza? Por que bondade não é suficiente?"


Intoxicado pela possibilidade de virar uma lenda e, ao mesmo tempo, pressionado por si mesmo para fazer jus à fama já conquistada, Gawain deixa Camelot, contra os avisos de sua amante Essel (Alicia Vikander) - alguém digna dos seus beijos mas não de sentar ao seu lado na nobreza - e atarefado pelo Rei de conquistar grandeza e terminar sua tarefa. A seguir, Lowery nos leva por uma Terra combinando um estilo de edição e efeitos especiais modernos com a atmosfera e diálogos de algo clássico. Sua direção nunca foi tão eficaz quanto é aqui, constantemente desafiando protagonista e audiência sem nunca aparentar incerteza, temperando o caminhar do herói/tolo com toques de fantasia para elevar a qualidade mitológica do filme.


Criaturas como espíritos, gigantes assustadores e raposas falantes cruzam o caminho de Gawain. Lowery, cujos créditos incluem o introspectivo Sombras da Vida e o aclamado, porém esquecido remake live-action de Meu Amigo, o Dragão, sabe costurar a realidade já fantasiosa do mundo apresentado junto com a magia destas figuras sobrenaturais. Elas, simultaneamente, enriquecem a mitologia, tornam-na mais atraente para o público, e nos lembram de questionar tudo. O quanto disso é verdade?


Gawain está ciente de não merecer honra. Ele decapitou o Cavaleiro Verde não numa luta, mas num jogo. Em seu caminho, algumas figuras o lembram que ele não é um cavaleiro. Primeiro está o ladrão interpretado por Barry Keoghan, capaz de prendê-lo com a ajuda de mais dois criminosos, humilhando o nobre e deixando-o à mercê da natureza. O maior lembre, entretanto, vem no fim do caminho. Em sua última parada, Gawain visita a mansão do Lorde (Joel Edgerton) e da Lady (também Alicia Vikander, aqui representando não o amor mas a tentação). O dono da casa o reconhece, o celebra e exalta, enquanto sua esposa o seduz e, ao finalmente quebrar sua integridade, declara "você não é um cavaleiro."


Assim, Gawain deve partir em busca de se tornar um cavaleiro. Para tal, é preciso ir e sobreviver ao seu encontro contra o adversário Verde. Mas como ele fará isso? O acordo implica na separação de seu pescoço e corpo. A honra, então, está em cumprir o jogo e morrer? Ou seria isso tolice, e o sábio é voltar para casa logo, cantando vitória mantendo em segredo a covardia final? Duplicidade e incerteza permeiam o roteiro, também escrito por Lowery, culminando numa conclusão brilhante, tematicamente madura e com a medida certa de ambiguidade para plantar seus pés em nossa mente muito depois do rolar dos créditos.


"Vermelho é a cor da luxúria, mas verde é o que a luxúria deixa para trás no coração e no útero."


Com essa frase da Lady, somos lembrados da importância das cores num filme cujo título destaca uma delas. A direção de Lowery, a fotografia de Andrew Droz Palermo e o design de produção de Jade Healy, auxiliado pela direção de arte de Christine McDonagh e David Pink, a decoração de set de Jenny Oman e o design de figurinos de Malgosia Turzanska. Tudo isso está em sintonia para tornar The Green Knight uma experiência visual.


Gawain anda sempre de amarelo, um dos vizinhos do verde numa roda de cores. Do outro lado está o azul, visto primariamente na Lady. Essas três cores tomam conta do longa-metragem, representando a jornada do protagonista e as consequências da mesma.


Mas a frase também nos leva a pensar qual é o fruto da jornada. Verde, nos lembra a Lady, representa a vida com árvores e grama, assim como a morte no mofo; o começo de algo no útero e o fim de algo no coração. Qual desses significados traz o Cavaleiro titular? Qual deles será associado a Gawain depois desta história? Seu mito será um de triunfo, ou de cautela? Essa dúvida mortal é transmitida por Patel em cada segundo. Gawain se orgulha sempre com uma pitada de vergonha por trás dos olhos, se motiva a continuar lutando sem nunca deixar de ter medo entrelaçado à sua bravura, e o ator responsável por vivê-lo neste mito sobre o mito acompanha cada uma dessas complexidades.


Lady, em certo momento, revela gostar de transformar os mitos que ouve em livros. Quando, entretanto, ela vê uma chance de melhorá-los, torná-los mais épicos, românticos e fantásticos, ela aproveita. Este é mais um lembrete para o herói. Não é sempre o feito, mas sim como ele é compartilhado de geração em geração, cidade em cidade, a razão por trás do status lendário de alguns cavaleiros. Qual deve ser sua resposta diante disso? Qual a atitude correta?


The Green Knight tem uma resposta. Mas Lowery, sabiamente, não a coloca, explícita, no texto, e sim implícita no contexto das falas, dos acontecimentos e da conclusão do seu filme, o melhor de 2021 até aqui.


Nota: 5/5


The Green Knight ainda não tem previsão de estreia no Brasil.

guilherme-jacobs
crítica
premiado
review

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