Soul - Crítica do Chippu

Soul - Crítica do Chippu

A magia da Pixar está totalmente presente na animação de Pete Docter

Guilherme Jacobs
28 de dezembro de 2020 - 10 min leitura
Notícias

Está na hora de contar Pete Docter como uma das mais valiosas vozes criativas do cinema. O diretor entrou com tudo na animação com Monstros S.A. (2001) e explodiu os corações de milhões de pessoas com Up - Altas Aventuras (2009). Mas foi em 2015, com Divertida Mente, que ele mostrou uma incrível capacidade de capturar ideias complexas e profundas de maneira tão simples, tocante e bela.


Ao examinar as emoções de uma criança, Docter argumentou que sentimentos negativos como tristeza e saudade são necessários para a maturidade emocional. O que, então, ele e o talentoso time de animadores da Pixar - com a co-direção de Kemp Powers e o roteiro de Docter, Powers e Mike Jones - tem a dizer sobre o que é a vida? Afinal, esse é o assunto principal da nova animação Soul, que estreou no último dia 25 de dezembro diretamente no Disney+.


E não se enganem, esse é o propósito de Soul. Esse filme questiona se vale a pena viver, qual é nosso propósito aqui e onde encontramos beleza no cotidiano. É possível se enganar pelos trailers e premissa ao ponto de acreditar que a animação encontra essas respostas na música, criatividade e arte, mas seu alvo vai além. Se tudo isso soa como algo cabeça demais para algo cujo público alvo são crianças, não se preocupe. Docter e companhia encontram maneiras de comunicar para a audiência cada uma dessas questões com uma sutileza e simplicidade capaz de deixar na poeira alguns dos dramas mais adultos do cinema.


Para contar essa história, acompanhamos Joe (Jamie Foxx no original e Jorge Lucas na ótima dublagem), um professor de jazz para alunos do ensino fundamental cada vez mais desanimado com sua carreira e em busca de algo melhor. É aí que ele encontra a oportunidade para tocar com um ex-aluno num quarteto famoso em Nova York. Joe consegue a vaga na banda, está profundamente animado, sentindo que o dia mais aguardado de sua vida chegou, e então ele morre.


Bom, tecnicamente ele fica em coma, porque ao acordar na dimensão entre nossa realidade e o que o filme chama de "além vida", a alma de Joe se recusa a ir para a eternidade e morrer pra valer. Ele faz de tudo para encontrar o caminho de volta e acaba esbarrando no pré-vida, um local que ensina almas que ainda não nasceram sobre a Terra e as envia para cá assim que seu desejo de viver é manifesto.


Depois de uma série de mal-entendidos, nosso protagonista é colocado como mentor de 22 (Tina Fey/Carol Valença), uma jovem alma que está há centenas de anos sem vontade de sair do pré-vida. É aqui que o filme encontra seu coração, construindo um belíssimo relacionamento entre os dois para explorar o que significa viver. Para 22 nascer, ela precisa encontrar sua missão ou propósito, mas como ela não tem desejo de vir para a Terra, oferece a Joe o seu passaporte, caso ele consiga ajudá-la nessa busca.


Soul então inicia uma viagem pelos vários conceitos da vida, incluindo arte, família e desejos, para explorar o que é estar vivo. Nesse processo, Docter, Powers e Jones constroem um roteiro que mistura uma série de ideias sobre a existência, a maioria delas difícil demais para se explicar com palavras, já que tantas parecem ser apenas sensações. Mas é aqui que entra a beleza do audiovisual, particularmente de animações.


Imagens e sons sempre foram capazes de comunicar conceitos que não são facilmente resumidos ou definidos. Nem sempre é possível explicar a paz que toca nossa alma naquele raro momento onde a cidade grande se silencia e uma brisa leve balança as folhas na calçada onde estamos. Mas nós todos sabemos como é isso, mesmo que na correria do nosso dia a dia deixemos de perceber a graça comum que existe nessas horas. Então quando a Pixar recria isso e outras peculiaridades infinitamente profundas mas tão corriqueiras, nosso coração imediatamente sabe do que o filme está falando.


Se tratando de uma animação, os limites para capturar isso se tornam ainda menores. As melhores animações criam coisas que filmes live-action não podem - colocando a câmera em locais impossíveis, construindo cenários que em outros casos seriam fundos-verdes desconectados dos humanos ou, como Soul faz muito bem, trazendo à vida personagens que não poderiam existir de nenhuma outra forma. Aqui, novamente, a Pixar usa todas as suas ferramentas para criar uma realidade palpável misturada com uma fantasia mágica capaz de capturar nossa imaginação.


Não tem como explicar o que torna o coração de Soul tão especial sem entrar em detalhes da mensagem final do filme. Não vou revelar o destino de nenhum personagem, mas se você quer preservar a surpresa emocional da história, pode parar de ler aqui e pular para a nota no fim do texto.


Eu achei que Soul ia ser um filme sobre música e arte. Ele existia, na minha mente, ao lado de filmes como Whiplash - que mostram o momento tão sonhado por Joe, de "chegar lá" - ou Inside Llewyn Davis - drama dos Coen que, por sua vez, argumenta que nem todos alcançam seus sonhos. Mas o problema de aliar isso a uma história que é sobre viver é que, se você for como Joe, um bom músico mas não um sucesso, o valor em viver vai existir ao lado das suas conquistas. Isso não vale apenas para arte, mas para qualquer coisa na qual depositamos nossa identidade ou satisfação. Carreiras profissionais, relacionamentos ou nossa imagem. Tudo isso acaba, tudo pode dar errado, tudo são cisternas rotas.


E é assim que Joe vive. Como tantos de nós vivemos, nos sentindo fracassos insuficientes, especialmente quando comparados com as vitrines perfeitas que vemos no feed de outras pessoas no Instagram, criando sonhos e objetivos (ou os vendo sendo impostos a nós) que, se não forem alcançados, significam que falhamos. É o relacionamento com 22 mostra a realidade para Joe. Há algo mais na vida. Uma glória peculiar que pode ser provada num bom pedaço de pizza, em ouvir uma bela melodia ou ver um pai e filho brincando na rua. Isso é revelado em muito mais nas coisas pequenas que são facilmente esquecidas em nossa sociedade acelerada, capitalista e repleta de falsidades nas redes sociais. É revelado na maneira como a luz do sol passa pelas árvores, nas risadas, nos ambientes nostálgicos que parecem ser mais do que podemos ver.


Precisamos urgentemente ser acordados como Joe. Reconhecer a beleza não no que é feito mas no que há. Pete Docter não caiu no erro de terminar seu filme celebrando a excelência ou o sucesso como razões para viver. Ele diz que existe algo a mais ao nosso redor. Uma força maior mas ainda sim presente nos detalhes da vida que, às vezes, você nota e guarda para si, porque não seria capaz de fazer nem seu mais íntimo amigo entender o que aquilo causou. Para pessoas diferentes, essa mensagem terá um significado e uma essência diferente, mas para todas, ela é muito valiosa.


Explicar isso aqui, nesse texto, está sendo um desafio para mim. E isso só aumenta minha admiração pela forma como essa animação consegue com falas, imagens, músicas e efeitos passar essa mensagem de maneira muito mais eficaz do que essa pequena crítica. Às vezes falamos da magia da Pixar. Nem todos os projetos do estúdio contém esse tempero especial, mas Soul certamente merece um lugar em seu panteão de lendas.


Nota: 4.5/5

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