Red Rocket | Crítica

Red Rocket | Crítica

Novo filme de Sean Baker explora mais sobre os dramas sociais da era Trump

Alexandre Almeida
12 de outubro de 2021 - 6 min leitura
Notícias

Existe uma expressão nos Estados Unidos chamada flyover country ou flyover states, que em uma tradução livre, seria algo como país/estados por onde o avião passa. Elas são comumente utilizadas de forma pejorativa para designar regiões subdesenvolvidas e que não são tão bem vistas ou “evoluídas” como as duas costas: a leste, com Nova Iorque, Filadélfia, Boston e a oeste, com a região da Califórnia formada por São Francisco, Los Angeles e San Diego.


Foi exatamente essa região, ali no meio dos EUA, que, em 2016, votou em massa e elegeu Donald Trump presidente. É nessa área e nesse mesmo período que se passa Red Rocket, novo filme de Sean Baker, diretor de Tangerine e Projeto Florida.




Na trama do filme, acompanhamos um ex-astro de filmes pornô, que volta para a cidade no interior do Texas em que sua ex-mulher vive, buscando ajuda e um teto para ficar. Na verdade, ele quer apenas tempo para se reestabelecer e voltar para Los Angeles e a boa vida que, aparentemente, ele tinha no passado.



Mikey é o tipo de personagem perfeito para os filmes de Sean Baker: um pária da sociedade americana. Viciado, quebrado pelo sistema, mas acima de tudo, carismático. O diretor fez isso com a Sin-Dee, de Tangerine, evoluiu seu trabalho com a Halley, de Projeto Florida e, aqui, beira a perfeição com o trabalho de Simon Rex.



Aliás todo o elenco é ótimo. O diretor conta com nomes nada famosos do público geral e atores selecionados na própria Texas City onde o filme é passado. O trio Simon Rex, Bree Elrod e Brenda Deiss, respectivamente Mikey, a ex-esposa Lexi e a ex-sogra Lil, brilham em todas as cenas. O mesmo ocorre com Suzanna Son, a jovem Strawberry, de 17 anos, que Mikey passa a desejar assim que a conhece.



Red Rocket é povoado de personagens esquecidos da sociedade: uma ex-garota de programa, uma idosa doente, um jovem que “não se tornou alguém” e por aí vai. A todo momento eles são rodeados pela imagem das gigantes refinarias presentes na cidade. Elas são a prosperidade, o sucesso da sociedade americana que segue há anos poluindo o ar daquele lugar, oprimindo a visão dos moradores e tomando o horizonte onde quer que Mikey vá. Baker já havia utilizado a ideia/imagem de um ícone de sucesso capitalista em Projeto Florida, com o mundo de sonhos e diversão da Disney World ficando colado ao hotel onde Moonee e a mãe lutavam para conseguir viver mês após mês.



Entretanto, o filme não descamba para o drama social politizado da Era Trump. Nas palavras do diretor ao apresentar o filme no Vancouver International Film Festival, Red Rocket é uma “dramédia” e você pode rir das situações apresentadas ali. Quando questionado sobre as aparições dos discursos de Trump ao longo do filme, Baker afirmou que a questão política é de entendimento do espectador, “ao contrário do que Hollywood tem feito nos últimos anos” de massificar didaticamente as mensagens políticas e tomando um lado específico em seus filmes.



E se formos pensar por esse lado, o filme é muito mais sobre como Trump venceu em 2016, e o que levou essa parte da sociedade americana até essa decisão. Mikey pode ser visto como uma metáfora da soberba das duas Costas. Aquele que acha que vai conseguir tudo que quer, onde for, apenas com os adjetivos que as grandes cidades carregam. Traz os trejeitos das metrópoles, inclusive negando o sotaque do interior, mas no final das contas não consegue esconder de ninguém suas verdadeiras intenções. Da mesma forma, Lexi, Lil e outras personagens que aparecem ao longo do filme, vão mostrar a força do flyover country para o resto do país: quando eles se juntam e decidem tomar uma atitude, o bicho pega.



Sean Baker abre novamente uma janela que sabemos que existe, mas que muitos preferem manter fechada. A visão de uma sociedade que está ao nosso lado e a gente não vê. Ou melhor, só vê quando interessa, ou quando é forçado a fazer parte. Mikey é a representação carismática e sórdida desse comportamento.



Entretanto, uma hora, esse lado de fora da janela vai fazer como a música que embala o filme, “Bye Bye Bye”, do N’Sync, e vai dizer: “Eu estou partindo, eu estou terminando. Eu não quero ser o perdedor e eu já cansei. Eu não quero ser o seu idiota.”



E aí já é tarde. O rei já está nú.

*Resenha publicada por Alexandre Almeida durante cobertura do Festival de Cinema Internacional de Vancouver.

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