Oldboy aos 20 anos: Antes pérola escondida, filme de Park Chan-wook agora é precursor do sucesso global da Coreia

Oldboy aos 20 anos: Antes pérola escondida, filme de Park Chan-wook agora é precursor do sucesso global da Coreia

De volta aos cinemas remasterizado e restaurado, obra-prima sul-coreana retorna em novo contexto

Guilherme Jacobs
18 de setembro de 2023 - 8 min leitura
Notícias

Hoje, o entretenimento sul-coreano está em todo lugar. Ingressos para shows de k-pop esgotam em momentos, streamers correm para atrair mais e mais fãs de dorama, Parasita fez história no Oscar e Round 6 rapidamente virou um fenômeno. Diante desse titã cultural, pode ser um pouco difícil imaginar que um dos principais responsáveis pela a inundação coreana no ocidente seja Oldboy.

Afinal de contas, se você observar as músicas e filmes agora populares em todo o mundo, este não é o tipo de antecessor óbvio. A história da vingança de Oh Dae-su (Choi Min-sik), um homem preso por 15 anos em cárcere privado sem nenhuma razão aparente, não tem, à primeira vista, muito a ver com a emoção fofa de, digamos, Uma Advogada Extraordinária. Mesmo os momentos momentos mais violentos de Parasita ou Round 6 parecerem brincadeira de criança diante da perversão e brutalidade do capítulo do meio da trilogia da vingança de Park Chan-wook, uma obra onde cada decisão estilosa é contraposta com uma revelação nauseante e onde cada imagem descolada é povoada por uma estética enjoada.

Esses tons podem ser vistos com mais clareza do que nunca com o relançamento de Oldboy nos cinemas, em cartaz agora pelo Brasil numa versão remasterizada e restaurada a partir do negativo original em 35mm que celebra os 20 anos da estreia original. Em 2003, essa obra-prima demorou para cruzar as fronteiras de sua terra natal, precisando de defensores como Quentin Tarantino* para obter o status de pérola escondida e sendo passada de cinéfilo e cinéfilo como fruto proibido, acompanhado de sussurros do tipo "você não vai acreditar no que acontece aqui." Agora? Oldboy retorna como o grande precursor. Antes um filmaço desconhecido lutando por atenção, Oldboy agora é o equivalente a O Poderoso Chefão da Coreia do Sul. Parte obrigatória do currículo.

*Tarantino presidiu o júri do Festival de Cannes de 2004, que deu o Grand Prix, segundo principal troféu do evento, para Oldboy. Diz a lenda que Tarantino queria premiá-lo com a Palma de Ouro, mas acabou cedendo ao resto do júri.

Assistindo ao filme no cinema, ciente das reviravoltas e tentando perceber quem estava tendo seu primeiro encontro com aqueles últimos 30 minutos inesquecíveis, percebi como o passar dessas duas décadas transformaram uma droga de entrada em algo canonizado. Um primeiro gostinho virou a moda. Chan-wook tinha acabado de lançar dois longas que tratavam de questões sociais da Coreia, e estava caminhando para virar uma grande estrela no cinema do país quando decidiu fazer algo mais essencial. Em Oldboy, mais do que contextualizar problemas de sua sociedade, ele quer cavar um túnel até as profundezas da alma humana, e lá encontra as ideias mais perturbadoras possíveis — vingança, desejo, tortura.

Chan-wook já tinha falado sobre a divisão entre as Coreias em Zona de Risco e sobre as classes econômicas em Mr. Vingança. Em Oldboy, ele bebe da mitologia (o nome Oh Dae-su rapidamente traz Odisseu à mente) para navegar até o cerne do que nos move. Por que sentimos que precisamos nos vingar? Obter vendeta vai mesmo nos preencher? O que acontece quando, após a retribuição, nos deparamos com o vazio? Talvez seja por isso, por se preocupar mais com o espírito do que com as circunstâncias, que Oldboy tenha atravessado as fronteiras.

O filme se dispõe a ter um vilão multimilionário, hotéis secretos e se apoiar múltiplas vezes em hipnose para adiantar o roteiro. Cada um desses passos é filmado, encenado, cortado e costurado da forma mais criativa possível. Nas mãos de Chan-wook, toda transição ou enquadramento é uma oportunidade para criar uma imagem memorável, repleta de tanto estilo que chamá-las de "legal" parece um eufemismo. É preciso pedir o inglês emprestado: Elas são cool.

Tudo isso vira uma armadilha. Quando olhamos para fotos de Oldboy e vemos o cabeludo Oh Dae-su de terno, sorriso quebrado e martelo na mão, nossa mente é abastecida filmes de gângsteres, épicos de crime e ícones de artes-maciais, mas em cada uma dessas cenas há um ar pútrido. Segundo o diretor, ele usou cores fortes na produção para que, após o processor de "bleach bypass" — reação química que deixa a imagem menos saturada — ele terminasse com um tom estranho e desconhecido.

Cria-se uma atmosfera de enjoo; um homem apodrecendo após 15 anos sem a luz do sol. Trata-se do prelúdio do que vem quando a cortina é levantada e descobrimos não só por que Oh Dae-su foi preso, mas também como sua liberdade pode ser pior que o isolamento. Dar spoilers de Oldboy, especialmente quando o filme está tão acessível, é uma ofensa digna de gerar o apetite pela vingança em alguém, então não vou arriscar criar um rival eterno aqui. É suficiente dizer que nada, nem a espetacular luta do corredor ou mesmo o conhecimento com as outras obras de Chan-wook, como Lady Vingança e A Criada, vai te preparar para os acontecimentos naquela cobertura.

Como, então, algo tão perturbador ajudou a pavimentar o caminho para o domínio global? Se Oldboy de fato é a pedra angular sobre a qual o monumento internacional da cultura sul-coreana foi construído, sua herança, pelo menos em conteúdo, é inesperada. Claro, não faltam exemplos de outros suspenses de pontas afiadas ou narrativas ácidas. Memórias de um Assassino de Bong Joon-ho também completa 20 anos em 2023, e outros clássicos cult como Sol Secreto e Sede de Sangue (do próprio Chan-wook) servem como marcos no tempo dessas duas décadas. Mas hoje, mesmo a violência de um Invasão Zumbi (excelente) é acompanhada de galãs e emoções piegas.

Mas o sucesso de Oldboy não é um acidente, e tampouco é o do cinema, televisão e música da Coreia do Sul. Num sentido muito básico, eles são exemplos de como idiossincrasias nos ajudam a fugir da mesmice de Hollywood. O remédio do mainstream.

Oldboy obteve o status de fundador justamente porque Chan-wook fez algo atemporal, intercultural e transportador. Um conto de mitologia. Mas as particularidades da Coreia estão ali (inclsuive de forma negativa, como vemos nas personagens femininas). Oldboy, então, abriu a porta.

Hoje podemos, e desejamos, nos envolver em histórias sobre os pormenores de um país do outro lado do mundo. Hoje, nos jogamos na arte que trata de sua disparidade econômica, sua relação com o sexo, suas crises políticas, suas intrigas militares e sua postura diante do ocidente. Fazemos isso porque há 20 anos, Oldboy transformou os sentimentos mais viscerais por trás disso tudo num martelo e abriu nossa cabeça.

oldboy
park-chan-wook
choi-min-sik
chippu-originals
guilherme-jacobs

Você pode gostar

titleCríticas

O Brutalista: Épico de Brady Corbet flutua entre majestoso e frustrante

Leia nossa crítica do longa de Brady Corbet com Adrien Brody

Guilherme Jacobs
28 de outubro de 2024 - 10 min leitura
titleFilmes e Cinema

Venom: A Última Rodada | Final explicado e cenas pós-créditos

Novo filme do simbionte já está nos cinemas

Alexandre Almeida e Guilherme Jacobs
24 de outubro de 2024 - 1 min leitura
titleDisney

D23 Brasil: Ingressos, datas e tudo sobre o evento oficial da Disney

Veja todas as informações disponíveis sobre a D23 Brasil

Matheus Rodrigues
21 de outubro de 2024 - 4 min leitura
titleHBO

Pinguim abraça lado cartunesco - no melhor sentido - em episódio que marca de vez a guerra entre Oz e Sofia - Crítica e Resumo

Série se afasta do drama de máfia para se jogar de vez nos quadrinhos

Alexandre Almeida
20 de outubro de 2024 - 8 min leitura