Nomadland - Crítica do Chippu

Nomadland - Crítica do Chippu

Longa de Chloé Zhao é uma jornada de quilômetros e emoções

Guilherme Jacobs
25 de abril de 2021 - 6 min leitura
Notícias

Em um certo momento de Nomadland, Fern (Frances McDormand) passa na frente de um cinema. É 2012 e só há um filme em cartaz: Os Vingadores. É o momento no qual os mundos da diretora Chloé Zhao se cruzam, o silêncio e personalidade da sua premiada obra com o futuro na terra de franquias do Marvel Studios. Na verdade, é o tipo de cena que deixa ainda mais impressionante a ideia de vê-la comandando Eternos em novembro deste ano, já que ela encapsula tudo o que torna este longa-metragem especial - a personagem, seu cenário e o contexto no qual ela está inserida.


A personagem é Fern, uma mulher que decide adquirir uma van e seguir o estilo de vida nomádico adotado por diversos norte-americanos no começo dos anos 2010, após a grande crise imobiliária responsável por detonar a economia o país em 2008, partindo de trabalho em trabalho, cruzando os Estados Unidos e se encontrando com seus irmãos e irmãs da estrada em acampamentos e reuniões periódicas. Para contar essa história, Zhao reuniu McDormand com apenas mais um ator profissional - David Strathairn - e uma série de nômades modernos interpretando versões levemente fictícias de si mesmos, partindo numa viagem de exploração pessoal, de perda e de uma nova visão de mundo.


O resultado é quase como um documentário dos sonhos. Zhao, trabalhando com diretor de fotografia Joshua James Richards, aplica constantemente o uso de ângulos ultra abertos para mostrar a imensidão dos cenários pelos quais esses homens e mulheres andam, as montanhas com formações rochosas únicas, os desertos sem um pingo de movimento e as árvores que, dizem os historiadores, uma vez permitiam que os EUA fossem cruzados de costa a costa sem sequer pisar no chão. A mesma abordagem visual é usada nos closes. Fern e outros motoristas são colocados no centro do enquadramento, criando a sensação de estarem estão no meio de uma enorme vastidão. Sua direção e controle permanecem impecáveis a cada curva feitas pelo veículos, contando também com uma edição fluída feita pela própria Zhao.


Nesses closes, os nômades dão testemunhos dignos de um trabalho documental, afinal, boa parte das histórias são reais. Eles capturam a imaginação da protagonista e da audiência ao revelar seus motivos para morar no volante, seja a perda de um parente amado, a decepção financeira do mercado capitalista ou até mesmo o sentimento de conexão com a natureza, dando um novo gás na vida quando tudo parecia ter atingido um estado de estase. Muitos deles aparecem no primeiro ato e voltam depois, através de um vídeo, uma memória ou um reencontro. Quando isso acontece, nos sentimos como Fern, revendo amigos após anos e quilômetros de espera.


E então eles dirigem. Através de um mundo sempre no nascer ou pôr-do-sol, de paisagens que, ao mesmo tempo, saíram de um sonho e estão firmadas na realidade, conhecendo mais figuras curiosas e muitas vezes se recusando a plantar raízes em algum lugar. Fern serve como nossos olhos aqui. McDormand é o coração do filme. Nomadland não existe sem ela e sua atuação brilhante, cheia de nuance e sutilezas, criando uma personagem cujo sorriso parece sempre esconder tristeza. Seu rosto dá a impressão de estar sempre à beira das lágrimas, mas seu olhar permanece estrada à frente.


Eu assisti a Nomadland logo após ver Margin Call, estreia diretorial de J.C. Chandor, e os dois formam uma dupla interessante. Margin Call é sobre uma das firmas por trás da crise imobiliária de 2008, se preocupando apenas com seu próprio lucro mesmo e pouco se importando com as pessoas que seriam atingidas pelas ondas no fim deste tsunami. Nomadland é o outro lado desta moeda. Ele é sobre as consequências, mas num nível mais pessoal, mais etéreo e particular. E ele funciona exatamente desta maneira, tratando as políticas mais como algo de fundo e dando ênfase na bondade, laços e conexões que os nômades encontram em seu grupo ou na própria terra.


É, então, possível que você termine o filme desejando um pouco mais. Zhao parece apenas piscar na direção do mundo capitalista injusto que forçou Fern e outros a tomarem este caminho, e essa parece ser sua intenção. A diretora está mais preocupada numa jornada de personagem, não na exploração de sistemas, o que não é, em si, um problema. Mas quando há um discurso ou uma exposição sobre os bancos, o governo e tudo mais, Nomadland sempre hesita em pisar no acelerador e prefere evitar qualquer tipo de conflito.


Mas no que busca ser, Nomadland atinge todos os objetivos. Este filme cria um mundo, coloca você completamente dentro dele, capturando seus sentidos e sensações para uma roadtrip com uma personagem tridimensional, profunda e interpretada por uma das melhores atrizes da geração. Chloé Zhao, acima de tudo, mostra seu talento como diretora, nunca tirando a mão do volante, evitando todos os buracos e nos levando não a um destino, mas a outro passeio.


Nota: 4/5

guilherme-jacobs
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oscar-2021

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