No Ritmo do Coração - Crítica do Chippu

No Ritmo do Coração - Crítica do Chippu

Indicado ao Oscar de Melhor Filme, longa emociona na simplicidade

Guilherme Jacobs
17 de março de 2022 - 9 min leitura
Notícias

Todo janeiro, um filme sai do festival de Sundance como centro das atenções. Ele pode ter vencido o principal prêmio do evento, pode ter sido adquirido por uma quantia recorde por um estúdio grande, ou pode simplesmente ter conquistado o coração do público. Seja Whiplash, Cães de Aluguel ou, em 2022, After Yang. Recentemente, um certo tipo de longa-metragem tem se destacado lá. Filmes pequenos, com uma abordagem humana e sentimental usada para enriquecer o olhar microscópico em uma comunidade ou família específica - como Eu, Você e a Garota Que Vai Morrer ou Minari. O típico “filme de Sundance.” No Ritmo do Coração, indicado ao Oscar dirigido por Siân Heder com base no longa francês La Famille Bélier, preenche cada um dos pré-requisitos dessa suposta fórmula. Como uma melodia perfeitamente composta, ele toca as notas certas na hora certa. Por alguma razão, porém, há algo inegável em sua execução. A familiaridade não consegue abafar o som produzido por seus instrumentos, o tom perfeito de sua voz. Ele nos mostra como irá nos pegar emocionalmente, e, mesmo sabendo da armadilha à nossa frente, nós caímos.


A metáfora musical não é acidental. A abertura do filme mostra Ruby Rossi (Emilia Jones) soltando sua belíssima voz, sem preocupação ou vergonha, enquanto ajuda o pai, Frank (Troy Kotsur), e o irmão, Leo (Daniel Durant), na pesca que os sustenta. As ondas e o vento abafam a canção - “Good Feeling”, de Flo Rida - mas mesmo sem esses fatores, Ruby ainda não seria ouvida. Sua família, incluindo a mãe Jackie (Marlee Matlin), são surdos. Ela é a única capaz de ouvir em sua casa. A ironia se faz presente imediatamente. Ruby tem algo especial; A mistura de talento natural e paixão necessárias para realizar algo significativo através da música, como nota seu professor Bernardo (Eugenio Derbez), que na aula do coral percebe o dom da garota e a incentiva a buscar uma bolsa de estudos na prestigiosa universidade de Berklee. A tensão se estica. Esse é seu sonho, mas também é algo que seus pais jamais entenderão perfeitamente.


Só de olhar a premissa, já é possível ver No Ritmo do Coração gerando drama. A única pessoa sem deficiência auditiva na família nasce com uma voz incrível e tem paixão por cantar? A bola já está na área, é só chutar pro gol. Mas por mais que às vezes fique claro como Heder pretende gerar em nós uma reação emocional, seu filme é feito com tanto carinho e honestidade, e conta com tantas atuações tocantes, que é impossível resistir. A escalação dos quatro personagens principais talvez seja o maior fator na entrega eficaz da história, com Jones e Kotsur se destacando em particular. O trabalho de casting feito por Deborah Aquila, Tricia Wood e Lisa Zagoria é essencial, encontrando atores capazes não só de pertencer a uma pequena cidade do nordeste americano feito pessoas normais, mas também de transmitir a carga e importância dos acontecimentos vistos aqui. Eles nos convencem do peso desses acontecimentos para os Rossi. Eles existem no mundo desse filme, eles têm cheiro de peixe pescado, conversam não como intérpretes se apresentando, mas como parentes de verdade. À mesa, vivem interrompendo e atropelando as falas uns dos outros - comunicadas com muita personalidade pelos quatro através da linguagem de sinais acompanhada de olhares e expressões tão perfeitas que o uso de legendas poderia até ser opcional.


É essa criação de realidade que nos permite investir emocionalmente e ser levados pela jornada de Ruby. Jones é um milagre no filme. Kotsur é quem (devidamente) está sendo reconhecido pelas premiações, mas a garota é um verdadeiro achado. Sua atuação, seja comunicando os sinais pelas mãos, seja em seus olhos carregados de lágrimas e sentimentos, ou - e esse é o mais impressionante de todos - quando canta. A voz da atriz, por si só, já é encantadora, mas a forma como ela se expressa ao cantar justifica o argumento do professor -interpretado por Derbez com o carisma o suficiente para colocá-lo no hall de “Professores Inesquecíveis do Cinema” - de que há várias vozes bonitas por aí, mas a dela parece ter algo a dizer. Cabe a menina, então, dominar isso. Heder trata as canções de Ruby quase como revelações de um suspense, ou explosões de um blockbuster. Ela faz a audiência esperar ansiosamente pelo momento, e quando o som finalmente ecoa pelo filme, sua direção silencia todas as distrações. Há apenas Ruby e sua voz. Arrepios. Entendemos imediatamente por que a menina precisa cantar.


É quando Heder tenta nos fazer entender porque a família precisa de Ruby em casa, não numa universidade em outra cidade, que No Ritmo do Coração fica fora de tom. O drama da menina ouvinte na casa surda já está presente de forma inerente graças à premissa, e por boa parte do filme é executado com muito cuidado e atenção. Uma cena na qual Frank, Jackie e Leo vão à apresentação do coral da escola transmite esse dilema com perfeição, primeiro os mostrando confusos enquanto o resto da platéia se deleita nas canções, mas depois nos colocando em sua perspectiva e removendo todo o som da sequência. Os três atores são ótimos representando o lado familiar de Ruby, e a perspectiva de Leo sobre surdez serve como arma secreta para a temática representativa do longa. Kotsur, cuja mera aparência já é marcante, representa o arco dos Rossi e domina cada passo do arco de personagem, eventualmente entregando duas cenas emocionais no terceiro ato capazes de esquentar o mais frio dos corações. Em ambas, o pai inverte os papéis. Agora é o surdo entrando no mundo do ouvinte.


A diretora, porém, parece não confiar plenamente nisso. No único dia no qual Ruby decide não acompanhar seu pai e irmão no barco de pesca, uma fiscal aparece e a guarda costeira intercepta a embarcação. Heder nos conduz durante o filme todo procurando criar em nós reações específicas, disso não há dúvidas, mas essa é a única hora no qual as artimanhas do roteiro de No Ritmo do Coração ficam visíveis demais. Nos outros, a simplicidade da narrativa e a qualidade do elenco ofuscam a previsibilidade da trama, tornando-a não só aceitável como bem-vinda.


Talvez o melhor exemplo disso seja o clímax do filme, no qual Ruby precisa cantar para garantir sua bolsa em Berklee e o faz misturando a voz com a linguagem de sinais, unindo os dois mundos nos quais caminha. Para deixar a mensagem ainda mais clara, a canção escolhida é “Both Sides Now” de Joni Mitchell, seminal clássico da cantora na qual ela diz ser capaz de enxergar os dois lados da vida agora. Fica óbvio, claro. Mas graças à belíssima direção de Heder e à atuação comovente de Jones, o momento nunca fica artificial.


No Ritmo do Coração nunca esconde sua partitura, mas ao emplacar os mais belos instrumentos e vozes, cantá-la e tocá-la com tanta emoção e sinceridade, pouco nos importa saber qual é a próxima nota da música antes da hora. Só queremos ouvi-la.


4/5

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