Não Olhe Para Cima - Crítica do Chippu

Não Olhe Para Cima - Crítica do Chippu

Apesar de elenco incrível, comédia de Adam McKay falta em ousadia e audácia

Guilherme Jacobs
14 de dezembro de 2021 - 6 min leitura
Notícias

Adam McKay não tinha como saber. Sua nova comédia-sátira Não Olhe Para Cima, encabeçada por Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Rob Morgan, Timothée Chalamet e mais, em um dos melhores elencos de Hollywood, foi escrita e feita pensada no aquecimento global e mudanças climáticas. Ao acelerar a crise com a ideia de um asteróide em rota de colisão com a Terra, o produtor, roteirista e diretor do grande lançamento de fim de ano da Netflix tentava encapsular num curto período de tempo todas as reações possíveis às ameaças globais: os negacionistas de direita, os protestos nulos da esquerda, além das milhões de possibilidades vindas da internet: memes, fake news, ações patrocinadas de celebridades, conspirações em fóruns, e assim vamos. Ele só não tinha como prever que teríamos visto tudo.


Não foi num período de tempo tão curto quanto os seis meses até o impacto do cometa em Não Olhe Para Cima, mas os últimos dois anos e a pandemia da covid-19 nos revelaram uma série de verdades sobre como nossa sociedade lida com esses fatos. De atitudes egoístas vindas de pessoas cujas únicas preocupações eram empresas e dinheiro até bizarras teorias da conspiração sobre se o vírus sequer existe, os personagens tipicamente parodiados em comédias como o Saturday Night Live, Porta dos Fundos e filmes de Adam McKay se tornaram reais, atraem milhares em seus programas de televisão e podcasts sem fundamentos, e gritam pelo discurso livre para dizer o que nenhum roteirista teria coragem de colocar em seus trabalhos. Um presidente falando “e daí?” pra mortes? Exagero demais, certo?


Então Não Olhe Para Cima chega diante de um grande desafio, se propondo a nos lembrar em 2 horas e 18 minutos, num tom de comédia exagerada, e desafiando a morte das paródias, dos últimos 24 meses. Quando o mundo real é absurdo, há espaço para a sátira?


Infelizmente, Não Olhe Para Cima indica uma resposta negativa para essa pergunta. Enquanto seu humor é suficiente para tirar de nós pequenas risadas, com aquele arzinho saindo do nariz enquanto reconhecemos uma ideia, o roteiro de McKay nunca parece fugir do óbvio. Não há nada muito afiado. Em seu excelente A Grande Aposta e mesmo no falho porém certamente ambicioso, Vice, McKay não apresentou hesitação em atirar no alvo mais distante, em tentar acertar o gol do meio de campo. Os resultados nem sempre foram perfeitos, mas havia ousadia e ambição. Ambas estão ausentes aqui.


Algumas das atuações mais cômicas, particularmente os trabalhos comprometidos e depravados de Jonah Hill e Mark Rylance, elevam o material mais básico de McKay para níveis quase estratosféricos. Seus personagens são detestáveis, mas a maneira como ambos atores se entregam é admirável.


Quanto ao resto do elenco, os elogios são dignos. DiCaprio é ótimo como de costume, mas não parece engajado como em seus melhores trabalhos. Seu personagem é o único com um verdadeiro arco na história, saindo de nerd bagunçado para celebridade acidental, e eventualmente precisando voltar à realidade; neste terceiro momento - iniciado com um típico discurso gritado do ator com o nível de entrega da cena do trailer de Era Uma Vez em… Hollywood ou do “eu vou ficar” de Lobo de Wall Street - é quando sua performance fica mais interessante e dedicada. Lawrence, sua companheira durante muito do filme, também é competente num papel cuja carga emocional é sempre elevada. Ela é dona da melhor piada recorrente da história, mas sua personagem serve a função de substituta da audiência, nunca se entregando a nenhuma espécie de caricatura mas permanecendo firmada no realismo com as reações mais humanas e honestas do longa-metragem, algo necessário para respirarmos entre um absurdo e outro.


Chalamet, Streep, Morgan, Ron Perlman e o restante tem, cada um, seu momento de graça. Cate Blanchett e Tyler Perry fazem um trabalho perfeito para o tipo de papel que receberam, Ariana Grande e Scott “Kid Cudi” Mescudi também, mas para um filme com um elenco tão celebrado, falta algo. Cada ator parece funcionar como um episódio, recebendo seu pedacinho de tempo específico para fazer seu espetáculo e dizer adeus. Claro, alguns retornam, tem pequenas cenas aqui e ali depois de seu grande momento, mas McKay não parece traçar uma linha conectora entre seus intérpretes. Na verdade, esse parece ser o problema geral da obra.


Não Olhe Para Cima parece mais uma ótima coleção de esquetes, algumas engraçadas, algumas interessantes e algumas cansativas. Bem-comportado e previsível, seu humor nunca traz a sensação de ser realmente transgressor, audacioso ou deliciosamente perverso. Os comentários feitos sobre capitalismo, ganância e política são divertidos, mas pautados no óbvio e esperado. Ainda que haja uma clara temática por trás de sua ideia, McKay nunca dá a impressão de querer fazer um “filme-mensagem”, algo digno de crédito, mas o diretor parece incapaz de adicionar algo realmente único ao debate aqui retratado. Talvez ele esteja satisfeito sendo apenas parte do discurso, se perdendo no barulho já existente. Talvez seu humor seja mais uma vítima dessa interminável pandemia.

Nota: 3/5

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