Monstro - Crítica do Chippu

Monstro - Crítica do Chippu

Novo filme da Netflix faz um excelente argumento para a arte como caminho de expressão contra o racismo

Guilherme Jacobs
7 de maio de 2021 - 7 min leitura
Notícias

Há uma razão para o crescimento de séries, filmes e obras que abordam o tema do racismo. Pessoas marginalizadas pela sociedade, àquelas cujas vozes são silenciadas pelas instituições, sistemas e governos criados para ajudá-las, muitas vezes encontram na arte a saída que tanto precisavam para respirar. É lá que contam sua história. É ali onde elas são ouvidas. A arte, talvez, seja a única saída para Steve Harmon (Kelvin Harrison Jr.), o protagonista de Monstro.


Lançado originalmente em 2018 no Festival de Sundance, Monstro (antes chamado All Rise) finalmente teve uma verdadeira distribuição global ao ser disponibilizado no catálogo da Netflix como um original do serviço de streaming nesta sexta-feira (7). Ele, é claro, não é um original Netflix, mas sim um filme produzido há anos e isento de cair nas mesmas armadilhas sistemáticas vistas muitas vezes nos produtos da plataforma, marcados por decisões que parecem mais vindas de um algoritmo do que de um roteiro.


Baseado no livro de Walter Dean Myers e com direção de Anthony Mandler, veterano de clipes e comerciais, Monstro conta a história de Steve, um jovem preso por sua suposta participação num homicídio. Acompanhamos ele durante o julgamento que decidirá se este garoto de 17 anos terá, ou não, um futuro, com flashbacks nos levando aos dias de liberdade, quando ele estava paquerando, aprendendo a criar filmes, desenvolvendo relacionamentos saudáveis com os pais e professor e outros, talvez não tão bons, com pessoas de seu bairro.


Steve é acusado de ter ajudado Bobo (John David Washington), William King (Rakim "A$AP Rocky" Mayers) e Osvaldo (Jharrel Jerome) num roubo que terminou com a morte do dono de uma bodega. Seus pais, interpretados pelo grande Jeffrey Wright e pela lendária Jennifer Hudson, estão chocados, tanto pela situação na qual o filho se encontra quanto pela possibilidade dele ser mesmo um dos responsáveis pelo crime, algo que ele nega constantemente.


E esse é o grande tema do filme. Logo no começo, Steve pergunta à sua advogada, Katherine (Jennifer Ehle) se ela acredita em sua inocência, e ela garante fará seu trabalho de defendê-lo dos ataques da procuradoria liderada por Anthony (um faminto, brutal e envolvente Paul Ben-Victor), mas não expressa confiança. Rapidamente, o garoto percebe que deixou de ser visto como humano. Seu julgamento serve como uma versão miniatura da sociedade, com os jurados representando a população, automaticamente assumindo que um rapaz negro sendo acusado de algo deve, claro, ser culpado. Como seu colega de prisão Raymond "Sunset" Green (Nas, também produtor do filme) avisa: ele não é mais uma pessoa.


Mandler, alguém que claramente tem muita paixão pela arte audiovisual, e os roteiristas Janece Shaffer e Colen C. Wiley enquadram o filme com a perspectiva de um roteiro, com Steve narrando diversas cenas como se estivesse às escrevendo, processando os acontecimentos mais traumáticos de sua vida da única maneira que sabe - pelo cinema. Então, os temas da história se conectam, misturam e criam voz. Steve não tem chance de se expressar, todos já tiraram sua conclusão sobre seu envolvimento, mas ninguém consegue impedi-lo de pensar e criar artisticamente. Mandler, às vezes, adiciona uma ou outra tomada e montagem demais, se perdendo dentro da própria criação, mas sua paixão é transferida para o personagem de maneira cativante e eficaz na hora de compreendermos quem ele é.


Harrison Jr., uma de duas estrelas do monumental e espetacular As Ondas, entrega uma atuação brilhante aqui, caminhando como um veterano entre as emoções experimentadas por Steve na prisão e nos flashbacks. O vislumbre de uma cena perfeita, o descobrimento das histórias fascinantes que existem no seu próprio barro, o temor do que o aguarda no futuro e a gigantesca frustração de ser taxado e rotulado por desconhecidos. Alguns dos melhores momentos vêm de sua interação com King, e Rocky surpreende ao aprofundar o personagem com sua atuação. Ele é claramente um membro de gangue, uma má influência, mas em uma cena na qual ele mostra para Steve a riqueza narrativa à sua volta, King se mostra mais do que os olhos podem ver. Isso é contrastado pela atuação de Washington. Bobo é mencionado diversas vezes no julgamento como alguém temido por todos, e quando ele finalmente entra em cena, há uma escuridão e frieza palpáveis em seu olhar.


Tim Blake Nelson
faz um ótimo trabalho como o professor de cinema de Steve, Nas adiciona uma sabedoria real em todas as falas de Sunset e ambos Wright e Hudon ganhariam atenção das premiações se Monstro fosse lançado na época do Oscar. Mas a estrela é Harrison Jr., e seu alcance é um dos maiores entre atores jovens da atualidade. Na cena em que finalmente recebe a chance de falar, quando sua advogada o coloca na cadeira de testemunha, Steve, com todo o conhecimento conquistado no processo jurídico, finalmente conta sua história. Não só a história do dia do roubo, mas de quem ele é.


Eu quase queria que Mandler tivesse tomado a decisão de não mostrar o crime. Apesar de não servir contra os temas de Monstro, seria mais interessante se nós, como o júri, tivéssemos que decidir quem Steve é. Mas então percebi que ao recriar o roubo num dos flashbacks, o filme nos dá uma tarefa mais difícil - a de entender seu mundo, suas circunstâncias, a pressão de ser um jovem negro sem possibilidade de errar e mais. É claro, isso tudo é contado da mesma maneira que Steve expressa sua história. Por arte.


Nota: 4/5

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