Segredos de um Escândalo coloca Natalie Portman e Julianne Moore em dramédia novelesca

Segredos de um Escândalo coloca Natalie Portman e Julianne Moore em dramédia novelesca

Diretor de Carol apresenta seu melhor filme desde 2015 no Festival de Cannes

Guilherme Jacobs
18 de janeiro de 2024 - 6 min leitura
Notícias

Todd Haynes sabe exatamente o que seu público espera quando descobre que seu novo filme, Segredos de um Escândalo, é estrelado por Natalie Portman (Cisne Negro) e Julianne Moore (Para Sempre Alice) num relacionamento interligado, borrando os limites entre o conhecido e escondido e frequentando banheiros juntas. De certa forma, ele parece ter escalado o longa-metragem, seu melhor desde Carol em 2015, pensando nisso. Quem cair no bait, porém, ficará no mínimo surpreendido quando o ultradramático tema de Michel Legrand para O Mensageiro de 1971 (escute aqui) toca imediatamente após Gracie (Moore) abrir a geladeira e pausa um milésimo de segundo antes dela gritar com o rosto preocupadíssimo a frase mais engraçada do Festival de Cannes 2023: “Eu acho que não tenho cachorros-quentes o suficiente!

Com a língua na boca, Haynes beira a paródia de si mesmo com o melodramático e novelesco Segredos de um Escândalo, cuja abertura é centrada na festa para qual Gracie não tem a quantidade necessária de cachorros-quentes. Amigos e vizinhos de sua família circulam sua enorme e belíssima casa em Savannah, na Flórida, mas ninguém na reunião recebe mais olhares do que Elizabeth (Natalie Portman), a atriz de uma popular série de televisão que foi autorizada a passar alguns dias com Gracie como parte da preparação para vivê-la numa adaptação para o cinema de sua história.

Por que Gracie será (pela segunda vez, vale dizer) vivida por uma atriz num filme? Bom, há 24 anos, quando ela ensinava na escola local e já era mãe, Gracie trocou seu marido por um estudante de 13 anos, que também lhe engravidou. Agora com 36 anos, Joe (Charles Melton) conseguiria até enganar alguém ignorante dessa história, mas qualquer morador local está ciente de como os dois foram descobertos transando no depósito de um veterinário, como Gracie foi presa e deu à luz atrás das grades, e como eles ainda recebem caixas de merda em sua caixa de correio. Pelo menos, Gracie fala para Elizabeth, essa prática diminuiu.

Com ecos de Persona mas sob a luz de alguém zoando exatamente o tipo de filme de Todd Haynes, Segredos de um Escândalo se leva a sério sem nunca ignorar uma oportunidade de entreter seu público com seu lado mais ridículo. Haynes usa diversos espelhos para refletir (ha!) a dinâmica sendo gerada entre ambas Gracie e Elizabeth, mulheres cuja velocidade para julgar uma a outra só não é excedida pela rapidez com a qual desviam o olhar quando são forçadas a confrontar a si mesmas. A câmera de Christopher Blauvelt é repetidamente posicionada como o próprio espelho, e coloca a atriz e sua personagem lado a lado em comparações, mas também é direcionada aos reflexos de reflexos elevados pelo genuinamente fantástico blocking de Haynes. Em determinada sequência, a Gracie é duplicada numa loja de vestidos e Elizabeth é posicionada exatamente no meio dessas duas versões, imitando uma e indo na direção oposta da outra.

É no texto e nas atuações muito auto-conscientes de Moore e Portman que Haynes encontra os espaços para o humor entre seu estudo sério de personalidades e sua crônica operática de mulheres ricas se dando mal enquanto usam óculos escuros. Tanto Gracie quanto Elizabeth têm interesse em erguer máscaras e criar personas. Em choros infantilizados, Gracie fica ainda mais juvenil que Joe, cujo crescimento foi claramente prejudicado pelo ocorrido (Melton é excelente como um meninão jeitoso mas atrapalhado). Já Elizabeth exagera a ideia de atrizes sensuais à enésima potência, olhando de ladinho para um estudante da escola na qual a filha de Gracie pratica teatro quando vai palestrar, e se ridicularizando ao imitar o coito proibido daquele velho hospital de animais.

Para Moore, Segredos de um Escândalo deve ter sido como uma caminhada no sábado à tarde. Especialista em chorar aos berros sem jamais perder sua humanidade no processo, ela repete feitos de outros trabalhos na construção de uma mulher melhor descoberta em seus silêncios. Portman, talvez como uma versão exagerada de si mesma, permite-nos enxergar esse suposto preparo Elizabeth tanto como sinal de insegurança, como quanto um treinamento obsessivo e até como um exercício de vaidade.

Quando deixa as mulheres (e Melton) se divertirem com falas reveladoras e ridículas como quando Elizabeth diz que irá embora em breve e Gracie responde sem esconder a satisfação: “é melhor mesmo”. Ou quando, fumando maconha pela primeira vez com o filho, Joe se desespera dizendo "Eu não sei se estamos nos conectando ou se eu estou criando uma memória ruim pra você em tempo real". Haynes dirige se apaixonando em tempo real por essa versão de um filme dele mesmo, e às vezes não sabe quando parar (a coleção de lagartas que Joe nutre até virarem borboletas é uma metáfora óbvia demais), mas o cineasta merece crédito por virar seu próprio estilo ao avesso sem perder sua identidade.

*Crítica originalmente postada em 21 de maio de 2023 diretamente do Festival de Cannes

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