King Richard: Criando Campeãs - Crítica do Chippu

King Richard: Criando Campeãs - Crítica do Chippu

Will Smith protagoniza ótimo filme sobre o pai das tenistas Williams

Guilherme Jacobs
6 de dezembro de 2021 - 9 min leitura
Notícias

Tem como um filme ser à prova de desgosto? Certamente não, sempre haverá opiniões negativas e razões para críticas, mas King Richard: Criando Campeãs, cinebiografia de Reinaldo Marcus Green sobre Richard Williams e seu esforço para lançar as carreiras de tênis das filhas Venus e Serena Williams, chega perto disso. Focado na ascensão e dificuldades de suas figuras totêmicas do esporte, ele já tem bastante a seu favor: superação, família, preconceito, baseado em fatos reais. Adicione a isso o estrelato de Will Smith no papel principal e você está na posição para suceder. E sim, King Richard sucede como um dos filmes mais agradáveis de 2021, tão fácil de se assistir como uma partida vencida por uma das irmãs por 2 sets a 0. O domínio completo quase diminui o espetáculo.


Parte de uma geração de pais de atletas polêmicos e obcecados representada normalmente por Earl Woods (pai de Tiger Woods), Richard Williams foi caracterizado na mídia em diversos momentos como um maluco cujas ambições só não se tornaram motivo de piada pela eternidade porque, de fato, suas filhas se tornaram lendas; Venus a primeira mulher negra a liderar o ranking global de tênis e Serena a provável melhor jogadora da história, com 23 Grand Slams em seu currículo. King Richard abre nos mostrando o documento de 78 páginas escrito por Richard antes mesmo do nascimento das filhas, detalhando como seria a carreira de cada uma. Ele ganha US$ 52 mil por ano e viu uma tenista levar US$ 47 mil para casa em apenas um torneio. Talvez ter uma ou duas dessas em casa seja uma boa ideia, ele pensa, no maior eufemismo do século.


Você já sabe para onde tudo isso vai. A família Williams mora no Compton, em Los Angeles, em plenos anos 90. Rodney King, os protestos, violência policial e tráfico de drogas estão logo na esquina de sua pequena casa, onde Richard e a esposa Brandy (Aunjanue Ellis) vivem com suas cinco filhas, e sua entrada no mundo do tênis - governado por ricos brancos - será repleta de obstáculos. Sem contar o racismo diante de suas garotas pretas com raquetes nas mãos, a falta de recursos da família para contratar um técnico ou entrar num clube significa treinar em quadras públicas, assediadas por vizinhos, com base nos aprendizados de Richard vindos de livros e estudo sobre o esporte. Você também como tudo termina. São Venus e Serena, afinal.


Will Smith é o principal responsável por nos levar ao lado das garotas nessa rápida ascensão. Richard é o tipo de figura gigante cuja presença é inescapável, para o bem ou mal. Fisicamente, ele se apresenta com ombros largos e uma postura corcunda, como se carregasse o peso do mundo, e sua cabeça dura significa uma certeza inabalável de qual é a decisão correta a se tomar, e o constante sucesso do seu plano deixa difícil questionar suas ideias. Smith mais do que incorpora todas as contradições do personagem, ele parece ter assumido sua alma, enviando mensagens do Richard real através do seu olhar cansado, do seu falar particular e de suas convicções firmes. O milagre, porém, vem em como Smith nunca se perde numa caricatura. Digo milagre porque seu trabalho aqui nunca apresenta a intenção de normalizar o patriarca Williams, Smith está ciente do tipo de figura icônica em suas mãos, mas mesmo esse exagero temático ganha uma humanidade necessária para impedir a entrada da atuação no território de apenas imitação. Há o sentimento de que Richard está sempre exausto, e quando ele abre a boca para falar, isso requer toda sua força.


O alto nível de atuação e controle de Smith deixa a atuação de Ellis ainda mais impressionante. No papel da esposa, ela poderia ter recebido uma função ingrata e desagradável, alguém sempre reclamando do marido mas nunca se formando como uma pessoa além disso. Aliada ao roteiro de Zach Baylin, ela jamais cai nas armadilhas desse tipo de personagem, pelo contrário. Brandy Williams é essencial e fundamental para o funcionamento dessa família, e Ellis traz à vida tanto o lado da mulher determinada a ajudar seu marido e filhas de qualquer maneira quanto o da mãe pronta para proteger as meninas até mesmo do pai.


A casa Williams tem cinco filhas, mas o foco está nas tenistas. Saniyya Sidney e Demi Singleton interpretam, respectivamente, Venus e Serena. A semelhança física das meninas nos ajuda a enxergar nelas as figuras cujo futuro inclui títulos de Wimbledon, mas é impressionante ver como elas completam sua transformação. Num nível físico, elas se mostram capazes de acompanhar os desafios esportivos dos papéis, mas é nas falas, na vulnerabilidade inerente à adolescência e na confiança inexplicável presente nos maiores atletas onde a dupla realmente brilha. Se elas não funcionassem, o filme iria ralo abaixo. Não importa o trabalho fundamental de Smith e Ellis, ou como Jon Bernthal entra no segundo ato com uma dose forte de carisma e humor bem-vinda e necessária vivendo o técnico delas, Venus e Serena são o sol prestes a nascer aqui. King Richard termina com seu amanhecer. Assistimos ao filme cientes de sua contagem regressiva. Sim, essa narrativa foca em Richard, mas assim como João Batista para Jesus, seu trabalho é preparar o caminho.


Talvez seja essa inevitabilidade a culpada pela falta de risco no filme, ou talvez seja o fato de Venus e Serena serem produtoras, mas Marcus Green dirige King Richard de maneira leve até demais. Mesmo no terceiro ato, quando conflitos surgem entre os Williams, o drama interno nunca se torna muito crível. Nada no roteiro é entregue de maneira fácil para os personagens, mas Baylin também não nos deixa ver muito da sujeira. A infidelidade de Richard é mencionada, mas nunca vemos suas consequências. A violência e perigo das ruas de Compton é um alerta gritante, mas uma ameaça mais imaginada e menos real, e mesmo o racismo enfrentado pelas tenistas se mantém numa camada mais implícita. Isso pode ser visto até na fotografia do monumental Robert Elswit, sempre banhando o filme com o calor da esperança e nunca com o frio do fracasso. Aliás, Elswit merece muito crédito pela maneira excelente como nos transporta para as quadras, apresentando a ação e o esporte com muito dinamismo e clareza.


Mas se a preferência do roteiro, direção e fotografia por trafegar pelo caminho mais leve impede uma jornada emocional completa, ela também deixa King Richard profundamente agradável. Empacotado com uma série de atuações convincentes e receptivas, o filme, assim como as tenistas, atropela seus adversários com uma confiança e certeza dignas de Richard Williams. King Richard nunca tem dúvidas sobre qual rota deve seguir, há uma clareza em sua mensagem e abordagem, uma beleza em seu dominar do jogo, do ritmo, do saque, da devolução. Talvez demonstrar controle absoluto seja a melhor maneira de nos contar essa história.


Nota 4/5

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