Cannes: Coupez! - Crítica do Chippu

Cannes: Coupez! - Crítica do Chippu

No filme de Michel Hazanavicius, a explicação é mais engraçada do que a própria piada

Guilherme Jacobs
18 de maio de 2022 - 8 min leitura
Notícias

CANNES: Em 99% dos casos, explicar uma piada é uma boa maneira de tirar sua graça. Ninguém ri mais ao ouvir sobre a engenharia de algo feito para causar uma reação puramente visceral do que expressando tal reação. A exceção à regra será quem viu Coupez!, longa dirigido pelo cineasta francês Michel Hazanavicius (O Artista) que abriu o Festival de Cannes de 2022. Um remake do hit cult japonês One Cut Dead, essa ótima comédia sobre os bastidores de um péssimo filme de zumbi revela, aos poucos, seus truques para culminar num terceiro ato quando, sim, a piada é explicada. E, sim, a explicação é melhor.


Os primeiros 30 minutos de Coupez! surpreenderão quem não viu One Cut Dead de surpresa (ou seja, a maioria das pessoas). Trata-se de um filme B de zumbis feito por um estúdio especializado em produções trash cujo diálogo é desastroso, com atuações inexplicáveis e cenas de humor nada engraçadas. Para piorar, Z - o título do filme dentro de Coupez! - parece se achar engraçado, quase parando nos trilhos para esperar a audiência se recuperar de uma risada imaginada apenas pelo próprio Z. Comentários sobre como zumbis são consequência do capitalismo aparentam referenciar Madrugada dos Mortos ironicamente, os nomes dos personagens - todos atores franceses - são japoneses e o pouco que há de lógica é jogado fora pela janela. A fotografia, pelo menos, é impressionante. A sequência é inteiramente feita em um take (e, nesse caso, talvez tenha sido mesmo), com um filtro cheio de ruído para emular algo gravado em equipamentos de baixa qualidade em produções de baixo orçamento, e movimentos de câmera bons (ou propositalmente ruins) capturam a essência ausente no roteiro. Z até pode tirar de você algumas risadas, mas a verdadeira magia vem depois.


Durante esse espetáculo tragicômico de zumbis - no qual o diretor invoca uma maldição para criar zumbis de verdade e conseguir de seus péssimos atores a emoção que busca - há coisas inexplicáveis. Atores somem e voltam sem explicação, comportamentos mudam inesperadamente, elementos são apresentados sem justificativa posterior. É como se o contador da piada tivesse pulado duas frases. Z eventualmente acaba - e quando o faz, Coupez! finalmente mostra suas verdadeiras cores - mas não há como fugir dos problemas do primeiro ato. Essa abertura pode ser executada de forma mais cativante e divertida, acertando no tom do trash mesmo com os erros intencionais e falhas bizarras. One Cut Dead é prova disso. Hazanavicius pode até tentar emular um filme B, mas ele não é capaz de capturar seu espírito e se divertir com ele. A tentativa soa como tiozão mandando um “how do you do, fellow kids,” mas tentando, propositalmente, evocar o meme. É quase engraçado. Você dá uma risada daquelas com arzinho saindo do nariz. Mas não é o artigo genuíno.


Quando vamos para trás das câmeras - começando um mês antes dos eventos da abertura - então o jogo é explicado. Z é uma produção feita às pressas por um diretor de comerciais (Romain Duris) para tentar, ao mesmo tempo, impressionar sua filha cinéfila (Simone Hazanavicius, em mais uma jogada meta de Michel, seu pai), pagar as dívidas e reencontrar alguma espécie de paixão pela arte do cinema. Em seu elenco estão um jovem astro francês (Finnegan Oldfield) que, após um papel minúsculo numa obra de Lars Von Trier, se acha um gênio, uma atriz mais interessada em ser influencer do Instagram (Matilda Anna Ingrid Lutz), um alcoólatra com quem ele sempre trabalha (Grégory Gadebois), um engenheiro de som entusiástico (Jean-Pascal Zadi) e até sua própria esposa (Bérénice Bejo), uma ex-atriz cuja carreira acabou porque, bom, vocês verão. Z é um remake de um filme B japonês (sacou?) com atores franceses, e não só ele precisa acontecer em apenas um take, como será transmitido ao vivo para o mundo. Não há espaço para erros. No segundo ato, Hazanavicius estabelece as dinâmicas de personagens e diversos obstáculos com propósito de nos preparar para um dia de gravação certamente infernal.


Enquanto isso, o diretor continua a se aventurar em comentários bem-humorados ou irônicos sobre ambos cineastas e seus fãs. Há brincadeiras com Tarantino e até o próprio festival de Cannes. Aqui, a escalação de ótimos atores se faz necessária. Duris e Bejo, em especial, elevam o material nada impressionante escrito pelo próprio Hazanavicius e tiram de suas cenas - em particular quando dividem tela com a filha - uma carga emocional essencial para deixar Coupez interessante além do truque de mágica. Você dificilmente deixará o cinema movido pelos acontecimentos. Mas, ao menos, além de se interessar nos bastidores, temos para quem torcer.


Eventualmente chegamos no dia das filmagens e os acontecimentos da primeira meia hora são recontextualizados. Dizer mais, porém, não é necessário ou mesmo aconselhável. O prazer de Coupez! vem ao saber como as coisas acontecem. Neste eletrizante e dinâmico terceiro ato, acompanhamos a produção de Z não como audiência, e sim do ponto de vista de um membro de sua equipe. À essa altura, você terá até esquecido algumas bizarrices dos últimos 90 minutos e redescobri-las nessa nova é o maior deleite de toda a obra. O que foi aquele erro? Por que aquele ator fez aquilo? De novo, as explicações são a graça, então prefiro não dizer.


Diferente de One Cut Dead, Coupez! perde o aspecto independente e rudimentar nesta conclusão, consequentemente tirando um pouco da magia de ver um grupo de cineastas amadores, e até mesmo incompetentes, correndo contra o tempo e espaço para, pelo menos, chegar ao último enquadramento e rolar os créditos. A entrega, todavia, se mantém divertida, com os atores finalmente alongando seus músculos para dar tudo de si neste forte abraço do ridículo. Apesar do que faz por Z, este encerramento não consegue justificar as deficiências de Hazanavicius no restante de Coupez!, mas garante uma saída eufórica para o espetáculo.


3.5/5

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