Ex Machina e como a A24 redefiniu o cinema de gênero

Ex Machina e como a A24 redefiniu o cinema de gênero

Como parte da nossa #A24Week, relembramos o filme de Alex Garland que moldou como o estúdio trata gênero

Guilherme Jacobs
23 de abril de 2024 - 6 min leitura
Notícias

Quando observado dentro do contexto da filmografia da A24, Ex Machina - Instinto Artificial tem um lugar significativo. Sua estreia ocorreu próximo do terceiro aniversário do estúdio, que até ali já havia lançado títulos como Sob a Pele e O Homem Duplicado, dois ótimos exemplos da abordagem da marca com cinema de gênero. A tal “elevação” muito associada ao terror era, aqui, sedimentada.

O termo “elevado” está, felizmente, caindo em desuso. Ele sugeria uma espécie de aperfeiçoamento do esqueleto de diferentes campos cinematográficos, seja o horror ou a ficção científica, como se algo feito sem esse mesmo intuito fosse inferior. Não é o caso, mas a conversa também apontava para algo verdadeiro.

Em seus melhores trabalhos, a A24 empodera cineastas para tratar filmes de gênero com o mesmo recurso, liberdade criativa e seriedade que outros estúdios, os mais tradicionais, tendem a aplicar apenas aos cheques em branco de diretores em busca de Oscars, e olhe lá. Ex Machina é um ótimo exemplo de como isso pode resultar na excelência.

Não é que um suspense com debates filosóficos sobre o que leva uma inteligência artificial a se tornar auto consciente seja, por tabela, superior a um blockbuster de ação tratando da mesma temática. A questão é que durante o fim da década 2000 e boa parte dos anos 2010, Hollywood reservou os gêneros, incluindo este, aos blockbusters, e no lugar de produzir Exterminador do Futuro 2, nós tínhamos Exterminador do Futuro: A Salvação. É uma crise semelhante a do terror, e apesar de não deter todo o mérito por nos dar o remédio, a A24 sem dúvidas teve seu papel em abrir a porta para que ótimos artistas tivessem a chance de tratar essas ideias com respeito e criatividade.

Talvez devêssemos voltar a Sob a Pele para falar do estúdio e da ficção científica, mas Ex Machina teve um alcance maior que o filme de Jonathan Glazer, lançado dois anos antes. Dirigido e escrito por Alex Garland, até então conhecido por roteiros como Extermínio e Sunshine, dirigidos por Danny Boyle, Ex Machina conta com três atores então em ascensão (Oscar Isaac, Domhall Gleeson e Alicia Vikander) para encenar a emancipação da robô Ava num suspense maquiando a narrativa bíblica do Gênesis.

É, sem dúvidas, pretensioso, e há quem julgue a execução dessa ideia aquém da ambição. Garland mira em criar um Éden para nossos tempos, onde a mulher não é enganada pela serpente, mas sim a responsável pela queda dos homens que se pensam iguais a Deus. Ela é o fruto e a consequência. Tão importante para esse feito quanto a atuação de Vikander — um quadro em branco onde os desejos sexuais masculinos julgam poder pintar o que bem quiserem, só para então se descobrirem como vítimas — é o trabalho visual do ambiente e da própria robô.

Com auxílio do desenhista Jock nas artes conceituais, Ava virou uma figura instantaneamente marcante. Trazida à vida com efeitos especiais ainda impressionantes, a robô jamais deixa personagens e público esquecerem de sua natureza eletrônica, com fios visíveis e acabamento metálico, e cria uma armadilha mais interessante. Até a última cena, a proposta não é se passar por humanos, mas superá-los.

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A estrutura episódica do roteiro de Garland contribui para essa jornada, adotando o modelo do Teste de Turing para colocar o personagem de Gleeson frente a frente com algo desenhado para atiçá-lo sexual e intelectualmente. Como faz com os dias dentro da Área X em Aniquilação e com as paradas pela estrada dos EUA em Guerra Civil, Garland faz uma simples mas eficaz construção de tensão, com capítulos movendo a história num ritmo pulsante até que venha a conclusão, onde os egos dos homens os tornam vulneráveis. Os toques de terror e suspense que até então eram sugeridos na direção de Garland explodem num fechamento afiado como de um slasher, seguido por uma das cenas de maior beleza de toda a A24.

Ex Machina conclui com Ava finalmente assumindo uma forma humana. Colando pedaço a pedaço de sua pele, ela faz do fim do filme um inverso da nudez vergonhosa de Eva na narrativa bíblica. Assim como ali a pele exposta significava o banimento do paraíso, aqui, vestir esta casca representa a liberdade de deixar para trás o falso Éden onde ela era mantida em cativeiro. Há, porém, o outro lado da moeda. A nudez humana de Ava é uma máscara para sua verdadeira identidade, e quando sua sombra se perde na multidão de homens, Ex Machina se encerra sugerindo não mais o Gênesis, e sim o Apocalipse.

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Bem-vindo à #A24Week! De 22 a 25 de abril, os sites irmãos Omelete e Chippu estão passeando pela história do estúdio mais badalado do momento. Além de relembrar os principais filmes, destacar pérolas escondidas e analisar o sucesso da A24, também vamos lançar um ranking com os 24 melhores filmes do estúdio. Você pode acompanhar tudo no Omelete clicando aqui, e no Chippu clicando aqui.

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