Eternos - Crítica do Chippu

Eternos - Crítica do Chippu

Surpreendente e frustrante, filme de Chloé Zhao mostra o potencial da nova Marvel sem nunca abraçá-lo totalmente

Guilherme Jacobs
1 de novembro de 2021 - 14 min leitura
Notícias

Meu primeiro contato com Chloé Zhao veio no meio da pandemia quando eu assisti a Domando o Destino, sabendo de sua posição como favorita ao Oscar por Nomadland e diretora de Eternos, o novo filme do Marvel Studios sobre seres super poderosos presentes na Terra há sete mil anos. Sabendo dessa premissa, me parecia impossível imaginar alguém com o estilo de Zhao dentro do MCU. Ainda por cima com uma história assim. É diferente quando se trata de um Ryan Coogler ou Taika Waititi da vida, cineastas cuja assinatura, apesar de diferente, ainda se encaixa com menos fricção com a linha de produção em alto volume gerida por Kevin Feige. Mas essa é uma diretora de filmes verdadeiramente independentes, com preferência por atores não profissionais, e que nunca havia pisado num set antes deste blockbuster.


Feige conseguiria reduzir até mesmo Chloé Zhao ao estilo homogêneo dos piores filmes da Marvel, ou pelo menos Eternos seria algo semelhante a Guardiões da Galáxia e outros dos melhores trabalhos deste universo; dentro da fórmula, mas com uma direção talentosa o suficiente para brilhos de vida saírem pelas frestas da parede? Desde o começo, ficará claro como este longa-metragem, descrito pelo estúdio como um épico bíblico, estica ao máximo a corda do MCU, testando limites para indicar a capacidade de ser outra coisa. Minha memória volta para os tempos onde podíamos imaginar como seria um Homem-Formiga de Edgar Wright, ou filme de terror do Doutor Estranho com Scott Derrickson. Eternos é efêmero e grandioso, ele representa uma aliança total e imperfeita das sensibilidades de sua diretora e os objetivos em larga escala da Disney. Todo casamento requer sacrifícios, e aqui, eles custam caro. Este não é um dos melhores filmes da Marvel, mas merece um lugar entre os mais interessantes.


Repleto de flashbacks com função expositiva nos quais vemos os feitos dos Eternos na antiga Mesopotâmia, Babilônia e outros locais de significância histórica, o filme abraça a ideia de questões filosóficas, de debates pessoais com consequências para toda a sociedade. As decisões destes seres têm peso, e Zhao deixa isso claro. A trilha sonora exótica e religiosa de Ramin Djawadi permeia cenas nos quais Sersi (Gemma Chan), Ikaris (Richard Madden), Giglamesh (Don Lee), Duende (Lia McHugh), Phastos (Brian Tyree Henry), Kingo (Kumail Nanjiani), Thena (Angelina Jolie), Makkari (Lauren Ridloff), Druig (Barry Keoghan) e a líder do grupo, Ajak (Selma Hayek) debatem seus feitos e a natureza da humanidade. Somos merecedores de salvação? Ou somos apenas animais violentos? Essa é nossa verdadeira natureza, ou somos apenas assim porque os Eternos não interferem mais no curso de nossa sociedade?


O grupo debate, misturando essas questões de nível macro com relacionamentos pessoais em conversas e interações. O amor entre a carinhosa Sersi e o soldado Ikaris, a rivalidade entre o inovador Phastos e o inquieto Druig, podem mudar o destino de guerras. Mas, como Ajak sempre lembra, sua missão é apenas guiar a humanidade e protegê-la dos monstros Deviantes, predadores de vida inteligente. Eles só não sabem qual é a finalidade.


Sem entrar em detalhes da narrativa, podemos dizer que o propósito verdadeiro dos Eternos não é exatamente ajudar terráqueos a florescer. A maior noção disso vem na conclusão da abertura do longa, quando o grupo chega ao planeta. É talvez uma das cenas mais fracas por conta de sequências de ação sem muita identidade, mas ela termina com Sersi entregando a um jovem pescador (que, aparentemente, não se importa com a morte violenta do pai) uma adaga transformada por seus poderes, empurrando a humanidade para além da idade da pedra e melhorando nossas armas. Onde Sersi viu algo mais eficaz na pesca, nós vimos uma maneira mais rápida de matar. As guerras vêm, uma após as outras. Cruzadas, holocaustos, morte e mais morte. Entretanto, repete Ajak, os Eternos não devem interferir. Eventualmente, o grupo não aguenta mais e depois da morte do último Deviante, se separa por séculos.


É admirável como Zhao e a Marvel não diluem essa questão. Eternos é, em muitos sentidos, o filme mais maduro do estúdio. De não tratar seus personagens como assexuados até contar com um elenco diverso, Eternos destoa tanto do resto do MCU - num bom sentido - que quando o Capitão América ou Thanos são mencionados, parece mais uma obrigação contratual do que uma conversa natural entre estes heróis. O mesmo acontece com as piadas. Nem todas são ruins, mas Eternos não precisa delas para manter nosso interesse - afinal, seus personagens e a trama dão conta do recado - e muitas acabam saindo forçadas e sem graça. Você pode sentir Kevin Feige soltando a corda ao máximo, deixando Zhao seguir na direção proposta, mas eventualmente segurando logo no fim, quando ele estava prestes a deixar tudo mudar.


Isso se manifesta através das cenas de ação pouco memoráveis, das piadinhas desnecessárias e ainda por cima com a presença de um vilão cuja presença no hall de péssimos antagonistas da Marvel não só está garantida, como provavelmente será celebrada por outros personagens esquecíveis como Malekith ou Ronan, o Acusador. Perto do Deviante Kro (uma adição ao filme com a cara de um produtor gritando: eles precisam de um inimigo óbvio, feio e malvado), todos eles são mais interessantes. Esses toques do estúdio são mais frustrantes, entretanto, por causa da sensação de que se Zhao não tivesse que lidar com estes outros aspectos, sua jornada filosófica teria sido mais gratificante. Eternos termina com a salvação da humanidade, mas os Eternos nunca, de fato, respondem as perguntas sociológicas propostas por eles mesmos. O quanto devem interferir? O quanto vale a pena abandonar o curso predeterminado por Arishem e outros Celestiais? É engraçado ver Phastos falar para seu filho adotivo como ele derrotou o vilão tendo uma conversa franca; essa abordagem, justamente, teria sido mais interessante. Ao invés dela, entretanto, temos mais um espetáculo CG.


Para ser justo, os efeitos especiais aqui tem mais identidade e impacto do que muitos terceiros atos do MCU. Quando Eternos mostra um Celestial em toda sua escala, por exemplo, o efeito não é tão majestoso como as estruturas e minhocas de Duna, mas há um senso de tamanho e grandiosidade muito maior do que a recente tentativa de colocar kaijus neste universo no terceiro ato artificial e digital de Shang-Chi. Zhao e turma não fogem dos desenhos de Jack Kirby e, mesmo não abraçando a natureza colorida e saturada do lendário desenhista, deixam claro como estamos entrando em outra área deste vasto universo de quadrinhos.


Todas as questões e conceitos gigantes de Eternos só funcionam, porém, quando os personagens não são esquecidos no meio disso tudo. Cada membro do grupo recebe problemas, personalidade, complexos e traços diferentes o suficientes para serem minimamente memoráveis. Você vai lembrar como Duende deseja poder envelhecer para sair do corpo de criança, como Phastos perdeu a fé nos humanos após ver os frutos nucleares da sua tecnologia , ou como Druig prefere se isolar ao invés de olhar mais para o caminho corrompido da sociedade. Há também aqueles com situações mais pessoais, como Gilgamesh, cuja vida é dedicada a cuidar de sua amada Thena depois que a guerreira sofre com problemas misteriosos.


Repleto de atores de primeira, Eternos erra ao colocar o foco nas duas figuras menos interessantes de toda a obra. Uma versão genérica do Superman, Ikaris e Madden nunca escapam de serem o mais puro clichê do homem super poderoso e seguidor de regras. A Sersi de Chan, por sua vez, permanece no mesmo tom durante as duas horas e quarenta de duração do longa. Os dois atores desaparecem em seus personagens , mas não de maneira interessante. Os inúmeros diálogos expositivos e discursos previsíveis retiram qualquer possibilidade de uma transformação em algo mais profundo e inesperado. Há pouquíssimo no sentido de “arcos de narrativa”, quase ninguém muda em Eternos, mas grandes intérpretes como Henry e Lee usam seu carisma natural para temperar seus papéis com um gostinho a mais. Jolie, por sua vez, é totalmente desperdiçada. Eternos toma decisão errada após decisão errada com Thena, algo acentuado pela forma como, nos raríssimos segundos onde lhe é permitido, Jolie ativa os foguetes de estrela do cinema e faz magia com seus olhos azuis inesquecíveis. Nanjiani permanece naturalmente engraçado e se adequa bem ao ambiente de blockbuster. McHugh, Ridloff e Keoghan não são grandes destaques, mas funcionam bem demais como coadjuvantes. Hayek serve como consciência e coração da equipe, não procurando uma atuação de muita nuance mas exercitando suas características maternais. Todos eles, sem exceção, vão chamar mais atenção do que o casal principal.


(Ah, e Kit Harrington está nesse filme. Ele é legal em suas poucas cenas, e tira mais química e faíscas de Chan do que Madden conseguiu nos 5 mil anos nos quais Ikaris namorou Sersi, mas veremos mais dele no segundo Eternos em alguns anos, imagino.)


Por razões como essa, Eternos acaba como algo mais interessante do que excelente. Surpreendente e frustrante em iguais medidas, ele ousa mostrar as conquistas ao alcance do universo cinematográfico da Marvel se ele realmente tirar as rodinhas de segurança, mas nos lembra constantemente como, no fim, tudo isso está servindo um propósito maior. Cada história é tanto um teaser para a próxima quanto um conto em si mesma. Sim, este é um filme da Chloé Zhao, ele se propõe a abordar ideias mais complexas tanto num nível de mitologia quanto interpessoal, e sucede em quase todas essas ambições. Este é o filme menos engraçado da Marvel, mas o humor não é necessário para prender nossa atenção. O passado, o amor, as intrigas e os dramas entre esses personagens já fazem para isso, assim como o contexto cósmico no qual se encontram. Quando Eternos brilha, ele é uma prova irrefutável da capacidade do MCU de ter histórias e filmes genuinamente diferentes e simultaneamente cativantes. Feige e cia só precisavam ter percebido isso.


Sersi entrega a adaga ao menino, ignorante do potencial destrutivo daquilo, e semelhantemente, os produtores entregam a uma das mais promissoras diretoras da atualidade uma série de notas, provavelmente contendo frases como “mais ação,” “uma piada aqui”, e não percebem estar danificando algo empolgante, fascinante e estranho. Eternos é diferente ao ponto de nos mostrar um novo potencial na Marvel, mas é dentro da fórmula o suficiente para nunca abraçar sua nova natureza.



Note: 3.5/5

guilherme-jacobs
crítica
review
marvel
marvel-studios
eternos
chloé-zhao

Você pode gostar

titleMarvel

Ray Chan, diretor de arte de Vingadores e Deadpool & Wolverine, morre aos 56 anos

Chan participou de outros filmes da Marvel e produções como Filhos da Esperança, A Lenda do Tesouro Perdido e Diamante de Sangue

Alexandre Almeida
26 de abril de 2024 - 1 min leitura
titleMarvel

Irmãos Russo respondem comentário de Robert Downey Jr. sobre volta de Homem de Ferro ao MCU

O ator havia dito que adoraria voltar à Marvel

Bruna Nobrega
26 de abril de 2024 - 2 min leitura
titleFilmes e Cinema

Zendaya: 6 melhores atuações da atriz de Duna e Euphoria

A atriz de 27 anos, que acabou de lançar mais um trabalho nos cinemas com Rivais, tem papéis marcantes na sua carreira.

Isabella Russo
25 de abril de 2024 - 9 min leitura
titleFilmes e Cinema

Por que Joias Brutas é o melhor filme da A24?

O filme venceu nosso ranking da A24, e nossos críticos defendem a decisão

Guilherme Jacobs, Marcelo Hessel e Caio Coletti
25 de abril de 2024 - 3 min leitura