Cha Cha Real Smooth - Crítica do Chippu

Cha Cha Real Smooth - Crítica do Chippu

Cooper Raiff dirige e atua numa simples, mas divertida história de amadurecimento

Guilherme Jacobs
14 de junho de 2022 - 9 min leitura
Notícias

É, de certa forma, adequado para Cha Cha Real Smooth receber expectativas demais para seu desempenho. Dirigido e estrelado por Cooper Raiff, esse simples mas cativante drama de amadurecimento encantou audiências em Sundance e foi adquirido pela Apple na esperança de reproduzir o sucesso vencedor de Oscar obtido por No Ritmo do Coração, outro pequeno filme cujo sucesso no festival de cinema atraiu os olhos da maçã. Ele, porém, mais do que seu antecessor, não parece ter sido feito com estatuetas em mente, e na verdade revela os mais íntimos pensamentos e complexidades de seu autor, analisando e explorando delicadamente diversos relacionamentos interessantes e únicos. Não há atuações bombásticas. Não há grandes emoções como na história de Ruby e sua família surda. Mas há uma profundidade refrescante na maneira como cada personagem é tratado nessa jornada de pessoas lidando com as dificuldades de sentir que o tempo de vida está acabando e a pressão aumentando. Tal como um indie despretensioso lançado aos lobos das premiações, Andrew (Raiff) agora precisa lidar com um mundo pelo qual ele não pediu.


Recém graduado em marketing, Andrew retorna para sua cidade natal em Nova Jersey sem sua namorada - agora vivendo em Barcelona com outro romance - e sem curso claro para a carreira. Morando com sua mãe (Leslie Mann), irmão mais novo David (Evan Assante) e padrasto Greg (Brad Garrett), ele arranja um emprego inesperado. Ao acompanhar David para um Bar Mitzvah, Andrew acaba assumindo a posição de animador de festa e graças a seu carinho com todas as crianças e bem-humor persistente acaba conquistando a aprovação de diversas mães locais como uma boa contratação para cuidar de suas próprias festas infantis. Em particular, porém, ele chama atenção de Domino (Dakota Johnson). A jovem mãe, prestes a entrar em seu segundo casamento com um noivo ausente (Raúl Castillo) mal pode segurar as lágrimas ao ver sua filha autista, Lola (Vanessa Burghardt, que realmente está dentro do espectro de autismo) dançando com os colegas, convencida pelo charme de Andrew a sair de sua cadeira e se divertir. Rapidamente, ele é contratado por Domino para ser babá da garota e, no processo, acaba se tornando próximo da mãe. Ambos desenvolvem sentimentos. É, para dizer o mínimo, complicado.


De cara, Cha Cha Real Smooth forma uma série de relacionamentos complexos. Ninguém no elenco está numa situação normal. Há casamentos acabando e começando, laços familiares esticados e situações inusitadas em todos os lados da vida de Andrew. Cada um encarando mudanças como a chegada da puberdade, o início de um comprometimento vitalício e, claro, a saída da faculdade sem emprego garantido, quando uma pessoa deixa de ser o futuro e passa a ser o presente, e possibilidades não realizadas se transformam em vácuos. O roteiro, escrito pelo próprio Raiff, faz um trabalho maravilhoso de tratar todas essas figuras de forma cuidadosa, escapando de estereótipos e respostas fáceis e buscando uma dinâmica mais interessante em cada interação. Seja no vai-não-vai com Domino, na sua mentoria com David, na descoberta de Lola ou na conexão com a mãe, Raiff faz questão de não reduzir nenhuma relação da vida de seu personagem a uma equação binária. Todos são apresentados como humanos. Até papéis menores e que aparentam, inicialmente, repetir clichês, como os de Garrett e Castillo, são aprofundados posteriormente com duas cenas pequenas, mas importantíssimas.


O coração da história está nas jornadas paralelas de Andrew e Domino. Raiff faz um bom trabalho fugindo da impressão inicial de seu personagem e pontilhando seu amadurecimento com uma identidade reconhecível. Alguns pontos do enredo (vários, para ser honesto) são batidos e previsíveis, mas seu charme salva em grande parte o papel. Sua atuação está longe de ser a melhor, deixando a desejar quando uma cena requer dele mais seriedade dramática e sendo varrido de tela por Mann e Johnson - ambas excelentes - em alguns momentos, mas o humor e carisma de Raiff transformam Andrew, alguém que poderia facilmente se tornar um protagonista irritante, num bom companheiro de viagem. Talvez você não queira vê-lo todo fim de semana, mas naquela festa? Ele é um ótimo papo. O olhar incessantemente curioso e alerta revela uma juventude ainda presente, um encanto pela vida ainda não apagado pelas circunstâncias ao seu redor, e nas cenas mais cômicas ou leves, Raiff captura perfeitamente o espírito de Cha Cha Real Smooth. Nada aqui é muito revelador, mas tudo é dosado com muita personalidade e carinho.


De todos os exemplos dessa atitude - incluindo um arco genuinamente divertido com David no qual Assante mostra muito talento - o maior destaque fica com Lola. Não só pelo trabalho excelente de Burghardt em comunicar a lógica interior de alguém com autismo sem nunca ser definida apenas por isso, mas também pela forma como Raiff escapa da armadilha de usá-la como atalho para desenvolvimento ou revelações para Domino ou Andrew. Lola é uma pessoa, e não uma ferramenta para o avanço dos outros. Tanto nas palavras escolhidas para a atriz quanto na maneira com a qual ela se expressa, Cha Cha Real Smooth demonstra um grande interesse em representá-la não como vítima, e definitivamente não como um peso para Domino. Raiff, felizmente, nunca comete o erro de transformar a filha no principal obstáculo na vida da mãe. É refrescante vê-las juntos, ver a alegria nos olhos de Johnson e o riso genuíno partilhado pelas duas.

Johnson, aliás, entrega aqui uma de suas melhores atuações. Apesar de experimentar essa sensação de uma forma diferente de Andrew, Domino passa por algo semelhante. Enquanto ele está sozinho com sua vida inteira adiante, uma posição igualmente assustadora e promissora, ela está tão distante dessa fase de liberdade e ansiedades que se sente perdida. Para onde foi a vida? Houve um casamento, Lola chegou, e agora há outro marido vindo. O roteiro evita alguns dos desafios propostos pela personagem, deixando alguns de seus implícitos não como uma escolha, mas sugerindo uma incerteza de abordagem e caminho para a mulher. É difícil culpar Raiff. Johnson mais do que compensa essa falta e entrega uma atuação vulnerável, misteriosa, atraente e genuína. Na cena citada no começo deste texto, ao ver Lola dançando, ela é brilhante, adicionando sua própria assinatura a uma reação vista mil vezes no cinema - a surpresa de ver sua filha se abrindo. A atriz é essencial para o filme.


Ela, e Burghardt, são as partes realmente excepcionais de uma obra simples e competente sobre lidar com as expectativas impostas até por nós mesmos quando falhamos em alcançá-las. Eu não sei o que os próximos 10 meses reservam para Cha Cha Real Smooth, mas mais ainda do que No Ritmo do Coração, esse é um filme que se beneficiará de estar fora das conversas de premiação. Não há muitas novidades, grandes destaques ou atuações chamativas. Há um roteiro simples, bem dirigido, bem atuado, mas que jamais transcende convenções. Isso não é, necessariamente, um problema. Assim como a lição aprendida por seu protagonista, às vezes é bom encontrar satisfação no que já temos, e não viver ansioso por mais.


3.5/5

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