Cannes: Boy From Heaven - Crítica do Chippu

Cannes: Boy From Heaven - Crítica do Chippu

Tarik Saleh constrói um intenso e eficaz suspense político na base de duas ótimas atuações

Guilherme Jacobs
21 de maio de 2022 - 4 min leitura
Notícias

CANNES - Hunt, de Lee jung-jae, pode ser o filme mais tradicional de espionagem desse Festival, mas está longe de ser o melhor ou mesmo um que poderia ter sua história facilmente adicionada ao cânone de John le Carré. Esse posto vai para o intenso e impactante Boy From Heaven, do diretor sueco Tarik Saleh. De origem egípcia, Saleh constrói um suspense político repleto de ansiedade e suspeita no espaço entre política e religião no islamismo, abordando o tema de um lugar honesto a partir do qual ele procura examinar as verdadeiras vítimas desse sistema.


Acompanhamos a ida de Adam (Tawfeek Bahrom) na universidade egípcia Al-Azhar em Cairo, onde sheikhs e mestres ensinam a próxima geração. Quando o Grande Iman, líder da religião, morre inesperadamente, o governo egípcio vê a oportunidade de finalmente ganhar algum controle sobre a instituição e aciona Ibrahim (Fares Fares) para usar Zizo (Mehdi Dehbi), seu informante lá dentro. Zizo, porém, não quer continuar com isso. Ibrahim aceita com uma condição: ele deve apontar um substituto. Assim, Adam entra num labirinto de segundas intenções e crueldade do qual ele não sairá facilmente.


Saleh cria aqui uma obra capaz de ser apreciada em diferentes níveis de conhecimento. Ele se mostra profundamente versado não só nas questões práticas do povo islâmico - suas instituições, extremistas e diferentes escolas - como também nos dilemas diários que eles enfrentam em níveis mais pessoais. O custo da busca pelo poder, ele nos mostra, é pago por aqueles cujo coração só buscava conhecimento e integridade. Nada é sagrado diante dos famintos. Talvez ciente de suas deficiências, o diretor se apoia constantemente em seus dois atores principais, enquadramento ambos rostos de maneira clara e íntima sempre que possível. A decisão é essencial já que seu roteiro nem sempre consegue justificar todas as decisões dos personagens.



A trama segue as missões que Adam deve concluir enquanto Ibrahim tenta garantir a eleição do candidato a Iman preferido pelo governo. Bahrom e Fares são as duas mãos no comando de Boy From Heaven. O primeiro sai da inocência prestes a ser perdida para a fúria de ver sua fé utilizada como arma e eventualmente atinge um estado de decepção e ceticismo. Há alguma verdade por trás desses sistemas nos quais ele acreditava? Já Fares contrapõe o lado ameaçador de Ibrahim com um olhar capaz de expressar sentimentos conflitantes e compensa, na atuação, as falhas do roteiro em plantar a eventual simpatia do agente pelo garoto. Sempre uma essencial adição em todos os seus trabalhos, Fares ganha aqui um papel digno do talento exibido em tela, um que lhe dá liberdade para navegar entre diferentes situações e relacionamentos.


Adam progride como infiltrado e como estudante, mas seus avanços parecem recompensá-lo com mais e mais frustrações. O roteiro de Saleh, que dirige a obra inteira sem perder de vista seu norte, toma cuidado de mostrar os erros de ambos sistemas de poder, revelando hipocrisia e corrupção em figuras supostamente imaculáveis. A deficiência de conhecimento islâmico de audiências ocidentais pode afetar alguns dos momentos mais críticos do filme, como a conversa importante em seu clímax, mas o trabalho dos atores e diretor é suficiente para criarmos uma conexão emocional com os acontecimentos.


Em sua conclusão, Boy From Heaven se apoia no clássico formato da jornada do herói, mas na sua jornada de volta para casa Adam traz com si um conhecimento melhor não compartilhado. Ele viu o outro lado.


3.5/5

guilherme-jacobs
cannes
festival-de-cannes
crítica
review
fares-fares
tarik-saleh
boy-from-heaven
tawfeek-bahrom

Você pode gostar

titleCríticas

Godzilla e Kong: O Novo Império abraça a loucura psicodélica e, infelizmente, os humanos

Novo filme dos monstros parece ansioso para deixar os humanos de lado, mas seu roteiro insiste em atrapalhar.

Guilherme Jacobs
28 de março de 2024 - 7 min leitura
titleFilmes e Cinema

Anatomia de Uma Queda tem Sandra Hüller numa das melhores atuações do ano - Crítica do Chippu

Anatomia de Uma Queda faz paralelos dentro de paralelos para confundir seu espectador sem nunca deixar de apresentar sua história com clareza

Guilherme Jacobs
25 de março de 2024 - 6 min leitura
titleCríticas

Ervas Secas faz fantástico estudo de personagens com humor desconfortável

Novo filme do diretor turco Nuri Bilge Ceylan foi um dos melhores do Festival de Cannes 2023

Guilherme Jacobs
21 de março de 2024 - 8 min leitura
titleFilmes e Cinema

Furiosa: Uma Saga Mad Max terá estreia global no Festival de Cannes 2024

Principal festival de cinema do mundo, evento acontece em maio na França

Guilherme Jacobs
21 de março de 2024 - 4 min leitura