Belfast - Crítica do Chippu

Belfast - Crítica do Chippu

Kenneth Branagh viaja ao seu próprio passado com filme-lembrança simples e adorável.

Guilherme Jacobs
21 de fevereiro de 2022 - 8 min leitura
Notícias

Kenneth Branagh não trabalha com sutilezas. Seja em suas grandiosas adaptações de Shakespeare ou nas recentes interpretações das aventuras de Hercule Poirot nos livros de Agatha Christie, o diretor e ator gosta de arriscar. Ele constantemente chuta de fora da área, da linha 3 de pontos, mira no home run. As atuações (do próprio Branagh e de seus elencos) tendem a trafegar na linha entre o teatral e exagero, beirando até mesmo o cafona. Belfast, longa pelo qual ele foi indicado ao Oscar de Melhor Direção e Melhor Filme, porém, anda na contramão. Inspirado nas memórias do próprio Branagh durante os Troubles - conflitos violentos entre protestantes e católicos - em 1969 na Irlanda do Norte, esse é seu trabalho mais quieto, cujo maior sucesso vem dos pequenos detalhes, olhares e conversas.


Inteiramente apresentado pelos olhos de Buddy, um menino de 9 anos vivido por Jude Hill e uma versão levemente fictícia do próprio Branagh, Belfast busca na perspectiva da criança levantar alguns pontos sobre religião, migração e comunidade. Mas, na verdade, o maior interesse do filme se encontra no amadurecimento de Buddy - na sua descoberta do amor por cinema e teatro (ao lado de montagens de abertura e fechamento, essas as únicas cenas coloridas no longa, apresentado em preto-e-branco), no primeiro crush da escola, no amor pelos seus pais - interpretados por Jamie Dornan e Caitriona Balfe, formando talvez o casal mais bonito de pais já vistos no cinema - e nos momentos divertidos e nostálgicos com seus avôs, aqui vividos pelos simplesmente excelentes Ciarán Hinds e Judi Dench.


Destaco a simplicidade, porque essa é a grande qualidade de Belfast. Este é um filme simples. Apesar de flertar com temas maiores, o trabalho de Branagh aqui é mais voltado para celebrar suas próprias memórias e se deleitar na viagem ao passado, buscando levar a audiência numa jornada idiossincrática de uma comunidade microscópica, cuja extensão é de uma ou duas ruas no bairro da cidade de Belfast, durante um tempo de incerteza e medo, mas também de descoberta e amor. Não faltarão comparações entre Belfast e Roma, de Alfonso Cuáron, mas, em termos de direção e roteiro, as lembranças do cineasta mexicanos trouxeram um produto muito mais complexo e rico. Nosso passeio pela Irlanda do Norte, porém, é um tempo gentil e romântico.


Isso vem à tona especialmente na decisão de firmar o filme na perspectiva de Buddy. Jude Hill entrega no papel uma daquelas atuações mirins que parecem ser um milagre, entregando suas falas e interagindo com os adultos de maneira tão confortável e natural quanto seus veteranos, elevando o papel além da fofura imediata de uma criança, ou da nostalgia embutida no navegar pela infância, transformando o jovem numa figura genuinamente cativante. Os Troubles, o casamento dos pais, o bairro, a paixão pela sétima arte, tudo é apresentado através dele, reforçando a abordagem modesta mas eficaz de Branagh.


Essa estratégia, porém, rouba Belfast de alguma emoção maior. Branagh planta ambos pés na ideia de Buddy como substituto da audiência, decisão que tira o possível peso dos problemas financeiros dos pais, da tensão se a família deixará ou não o país, da violência batendo em sua porta. Quando seus pais, apenas chamados de Pa e Ma, se mostram preocupados com o futuro da cidade ou de seus filhos, não conseguimos acompanhar a jornada emocional de seus olhares preocupados. Como Buddy, não somos capazes de entender completamente a escala da situação. Quando protestos começam, nunca ficamos tensos, quando Pa e Ma brigam, nunca tememos sua separação, quando a possibilidade de se mudar para Londres é levantada, nunca há dúvida em nosso coração, quando comentários sobre religião tentam se levantar, eles terminam rasos e básicos. É uma escolha. Branagh não está se mostrando incapaz de lidar com esses temas, mas sim determinando sua rota de curso. Vamos correr com Buddy pelo bairro, conversar com os vizinhos com suas palavras, perguntar e questionar usando sua lógica.


Se, por um lado, isso impede Belfast de aspirar a algo mais memorável, a direção de Branagh abastece certos momentos do filme de um espanto Spielberg-iano, pintando as telas de cinema e palcos de teatro com cores em meio ao mundo preto-e-branco. Essas são as memórias que se destacam entre um mar sem saturação de reminiscência, as horas nas quais a vida ganhou um tom a mais. Uma paixão fundamental está sendo formada ali.


As interações com pais e avós também têm mais significado, como consequência. Dornan e Balfe são brilhantes, particularmente nas cenas mais pessoais quando Buddy e seu irmão Will (Lewis McAskie) podem interagir com os pais sem os fantasmas dos Troubles pairando por cima da conversa, brincando, abraçando e admirando os pais. Nenhuma cena reforça tanto esse sentimento de amor e carinho exalando das atuações de Dornan e Balfe como quando os dois cantam e dançam “Everlasting Love” de Love Affair, momento digno do arregalar dos olhos de ambos protagonista e audiência. A arma secreta do elenco, porém, é com o Vô e Vó de Hinds e Dench.


Eles, sim, representam a rara sutileza entre os intérpretes dos filmes de Branagh, e são particularmente arrebatadores. Nas cenas entre Buddy e os avós, Belfast vem à vida como nunca, revelando uma ótima história de amadurecimento em meio ao espetáculo inconsistente de Branagh. Hinds e Dench são exatamente como a memória de avós que todos tempos - cativantes e divertidos quando vistos pelo prisma infantil, mas dotados de uma certeza, experiência e sabedoria profunda em retrospecto. Ambos atores, veteranos de teatro e cinema, são capazes de se comunicar em poucas palavras ou mesmo no silêncio, capturando cada movimento e olhar de seu personagens com naturalidade e precisão. O resultado são cenas emocionantes, dignas de lágrimas, sorrisos e repletas de um deleite caloroso e ameno.


Branagh, talvez por sua natureza grandiosa, porém, não se satisfaz com isso, e procura tratar a jornada de Buddy como algo maior sem nunca buscar outro ângulo além do próprio garoto. Talvez todos nós façamos isso com nossas memórias e infâncias. Talvez seja nossa natureza. Carregamos tudo com nossas tendências, crenças e medos. Belfast, então, se limita à criança em seu centro. Isso o impede de alcançar o potencial de todo o material, como biscoitos numa prateleira muito alta. O que, porém, ele obtém, quando o ótimo elenco, a direção simples e a ótima trilha sonora de Van Morrison se combinam é mágico.


3.5/5

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