Babilônia de Damien Chazelle vive e morre pelos excessos - Crítica do Chippu

Babilônia de Damien Chazelle vive e morre pelos excessos - Crítica do Chippu

Com atuação magnética e explosiva de Margot Robbie, diretor de La La Land mostra o auge e queda da Velha Hollywood

Guilherme Jacobs
13 de janeiro de 2023 - 10 min leitura
Notícias

Demora mais de meia hora até o título de Babilônia aparecer na tela. Durante este tempo, o novo carnaval hollywoodiano de Damien Chazelle sobre a transição de filmes mudos para os talkies nos anos 1920 e 1930, começa com uma festa cheia de drogas, nudez, fluídos corporais, dança, música e arte. Lá, nós conhecemos as figuras com quem passaremos as próximas três horas numa sequência de abertura hercúlea com múltiplos planos-sequências filmados contrapostos com montagens frenéticas no melhor estilo do jazz tão amado pelo cineasta de Whiplash e La La Land. É uma carta de apresentação perfeita para um longa-metragem sobre a faca de dois gumes do excesso, sobre o prazer praticamente sobrenatural do cinema e sobre quem é sacrificado no altar dessa arte. Assim como o encerramento, sua reação à essa inauguração ditará o quanto Babilônia funcionará.

Fundada na Bíblia em Gênesis por seres humanos orgulhosos numa tentativa de alcançar os céus pela força do seu próprio braço, Babel terminou trazendo confusão e desentendimento. Séculos depois, Daniel descreve aquela mesma terra como um ambiente tão profundo em conhecimento e cultura quanto de perversidade e opressão. Ao fim da narrativa cristã, a Babilônia é colocada em paralelo com o próprio Satanás como sua musa, e enfim queima pelos seus pecados. Não é difícil entender por que Chazelle escolheu este título. Os óbvios paralelos se traçam de imediato, com criatividade e depravação caminhando lado a lado, novas estrelas surgindo praticamente do nada, enquanto outras são cuspidas pelo ralo sem cerimônia alguma.

Lá, conhecemos o sonhador e dedicado assistente Manny Torres (Diego Calva, cuja atuação é muito melhor que seu papel subdesenvolvido) e vemos como ele cai nas graças do famoso e misógino astro Jack Conrad (Brad Pitt). Também nessa orgia, o talentoso Sidney Palmer (Jovan Adepo) toca com sua banda numa busca incessável por excelência. Já Lady Fay Zhu (Li Jun Li), uma jovem asiática que desenha cartões de falas para os filmes, canta uma canção erótica e sugere ter potencial para ser algo a mais. A dona das atenções, porém, é Nelly La Roy, interpretada por Margot Robbie na potência máxima de magnetismo, sensualidade, humor e beleza. Ela acompanha o atletismo da direção de Chazelle em sua melhor atuação desde Lobo de Wall Street e faz o sucesso imediatamente alcançado pela personagem não só justificável como praticamente inevitável. Nelly diz que é uma estrela antes mesmo de ter qualquer papel. Graças à Robbie, a afirmação não soa nem um pouco exagerada.

Não que faltem exageros em Babilônia, como esse início ambicioso e hora exaustivo (de forma intencional, sem dúvidas) deixa claro. Depois de seu melhor e mais íntimo trabalho em O Primeiro Homem, Chazelle parece ter resolvido criar algo cuja energia é, do começo ao fim, semelhante à cena final de Whiplash, uma crescente ininterrupta de sangue, música e ambição que termina, surpreendentemente, com o final mais otimista (e sem dúvidas mais polêmico), de sua filmografia até então. O grande feito de Babilônia é como o filme usa esses constantes excessos para contar as melhores partes de sua história, combinando comédia, drama, caricatura e deslumbramento em múltiplos momentos capazes de prender nossa atenção até clamarmos por mais. Como, porém, uma verdadeira Babilônia, esse hedonismo eventualmente traz sua queda.

Como exatamente Chazelle interpreta essa demolição é interessante, e talvez seja o ponto mais digno de debates deste ousado épico. Menos ambíguo, porém, é como o diretor aplica essa mesma dose de adrenalina para elevar cenas que poderiam só repetir dinâmicas conhecidas de “filmes sobre filmes". A segunda hora de Babilônia é iniciada com duas sequências paralelas em sets. Num, a Nelly de Robbie prestes a se tornar garantia de bilheteria, e no outro, onde um épico de guerra é gravado, o Jack de Pitt transforma todo seu alcoolismo em carisma e Manny consegue, de uma vez por todas, ingressar nos bastidores da indústria. Similares a grandes perseguições ou lutas, essas duas filmagens mostram o potencial do cineasta para estabelecer seus personagens dentro de estruturas cheias de desdobramentos dramáticos, eventualmente fechando cada janela aberta e direcionando nosso olhar para uma conclusão onde todos os instrumentos de sua caótica orquestra tocam em perfeita harmonia, o tempo pausa, e cinema acontece.

O mesmo é verdade no fechamento do segundo ato, quando se inicia a descida de Babilônia. Neste, começamos a ver como a introdução do som aos filmes oferecerá desafios não só para quem está na frente da câmera como para quem opera o aparelho. Em outro set, anos depois do sucesso inicial, Nelly sofre para decorar falas, acertar seu sotaque e acalmar os nervos. Para completar, uma bagunça hilária se desenrola entre a diretora, o técnico de som e outros membros da equipe presentes no palco. Novamente, Chazelle se mostra capaz de unir tema, personagens e história de forma fluída, um feito impressionante dado a velocidade e intensidade nas quais ele se força a estar. A trilha sonora transcendental de Justin Hurwitz e a montagem simultaneamente calculada e inquieta de Tom Cross são suas duas principais armas para conseguir acelerar tanto e não nos deixar para trás em meio à loucura. Disparando para todo lado, Babilônia parece inevitável.

Mas então, vem a ressaca. O problema não é que Chazelle decide desacelerar de vez. Ainda há mais uma sequência inacreditável (uma jornada infernal envolvendo um Tobey Maguire agora mais interessado em ser o Duende Verde do que o Homem-Aranha), mas quando o diretor e o filme precisam enfim encarar as consequências do bacanal construído até aqui, seu roteiro não se mostra tão capaz de manter o equilíbrio entre a celebração e denúncia visto nas instâncias mais divertidas do longa, sejam elas de vitória ou derrota para os protagonistas.

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Com a exceção de uma fantástica cena envolvendo a repórter/crítica vivida pela sempre maravilhosa Jean Smart, e do bom uso do carisma de Pitt para acrescentar peso ao crepúsculo de Jack, Babilônia não consegue justificar bem os tombos de Nelly (quase toda ação ruim da personagem acontece fora de tela) e especialmente de Manny, cuja humanidade parece ser destruída simplesmente porque Chazelle não vê outra escolha. O Sidney de Adepo e a Zhu de Jun Li são escanteados, e só são parcialmente resgatados, literalmente nos segundos finais, pelo tanto de seus atores. Assim, somos deixados com um final que precisa, de alguma maneira, colocar o gênio de volta na garrafa.

Inseparável de Mank, Era Uma Vez em… Hollywood, Boogie Nights (mas não superior a nenhum destes) e outras crônicas da relação entre um ambiente autodestrutivo e aquilo que ele cria, Babilônia é tanto uma carta de amor à era de ouro de Hollywood quanto uma confissão desesperada da necessidade por ajuda, mas Chazelle não resiste às oportunidades de expressar seu amor pelo gênero. Nas cenas em sets de filmagens ou em salas de cinema, quando filmes estão, de fato, sendo feitos e vistos, essas declarações são tão mágicas quanto nas criações supracitadas de David Fincher, Quentin Tarantino e Paul Thomas Anderson, membros de um clube no qual Chazelle parece desesperadamente querer entrar. Então, vem o epílogo.

Passeando pela história do cinema, literalizando as referências e dispensando com a sutileza, Babilônia termina com uma Escolha com “E” maiúsculo; Chazelle faz uma montagem que nos dispara em direção ao futuro para justificar porque pessoas como Manny e Nelly decidem dar a vida pela sétima arte. A forma como o cineasta apresenta sua tese vai ser genuína para uns e constrangedora para outros. É um momento de paixão palpável, mas cujo otimismo parece, francamente, inocente. O que lhe derruba não é a tentativa de emocionar, mas num espetáculo cujo título remete ao ápice da genialidade e corrupção, inocência não tem espaço.

4/5

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