Agente Oculto - Crítica do Chippu

Agente Oculto - Crítica do Chippu

Apesar de produção gigante e ótimo elenco, blockbuster da Netflix não escapa da falta de originalidade

Guilherme Jacobs
18 de julho de 2022 - 10 min leitura
Notícias

Quando Agente Oculto foi anunciado, a adaptação do livro “The Gray Man” de Mark Greany foi destacada como, até então, a produção mais cara da Netflix, injetando US$ 200 milhões num blockbuster equipado com os diretores da segunda maior bilheteria de todos os tempos, os irmãos Joe e Anthony Russo, e dois mega astros do cinema atual, Ryan Gosling e Chris Evans, na tentativa de colocar o streaming na era dos grandes personagens de ação indestrutíveis como Ethan Hunt, Jason Bourne e John Wick. O orçamento inflado permite aos homens por trás de Capitão América: Soldado Invernal e ambos Vingadores: Guerra Infinita e Ultimato jogarem num playground conhecido. Grandes estrelas, grandes explosões, grandes aventuras. Os recursos, porém, parecem mais necessários do que merecidos para os cineastas, pois Agente Oculto só funciona quando a dupla está operando no mais amplo escopo. Se o filme pisa no freio por um segundo, nem todo o dinheiro do mundo é suficiente para salvá-lo.


Na trama, o agente oculto Court Gentry (Gosling) se recusa a cumprir uma missão dos seus superiores na CIA, Danny Carmichael (Regé Jean-Page, disposto mas num papel vazio) e Suzanne Brewer (Jessica Henwick, sem o charme visto em Matrix) e passa a ser caçado pelos principais assassinos do mundo, em particular o sociopata Lloyd Hansen (Evans) numa série de perseguições, tiroteios e lutas variando do incompreensível ao genuinamente empolgante. As sequências de ação são os melhores exemplos tanto dos limites quanto das qualidades dos diretores, que nas primeiras lutas - as mais íntimas, e normalmente em ambientes fechados - filmam o “homem cinzento” quase como um super herói, atacando em alta velocidade e saltando de aviões. Os momentos sugerem uma abordagem ainda presa à Marvel, com os Russo incapazes de representar um ser humano sem poderes (ou armaduras tecnológicas) em combate e não apelar para efeitos especiais medianos na tentativa de engrandecer ainda mais os feitos do personagem de Gosling. Os Russo, uma vez responsáveis por povoar as maiores telas de IMAX do planeta com relâmpagos, lasers e alienígenas, sofrem quando é preciso tornar interessante um confronto entre duas pessoas numa sala.


Esse é o sintoma principal da doença por trás de Agente Oculto. As centenas de milhões de dólares de seu budget parecem existir para maquiar os defeitos dos diretores e da dupla de roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely (colaboradores dos Russo na Marvel). Talvez eles não saibam voltar para algo menor. O último filme dos cineastas, Cherry, certamente foi indício disso. Enquanto as maiores franquias de ação atual — Missão: Impossível e John Wick — crescem ao nos impressionar com feitos absurdos-porém-palpáveis, e usam de criatividade e excelência para deixar até uma briga no banheiro ou numa biblioteca empolgante e divertidas, Agente Oculto pode derrubar um avião cargueiro e ainda sim parecer feito de plástico e pixels.


Paralelamente, nas sequências posteriores ao primeiro ato, o Agente Oculto e seus diretores finalmente alcançam uma certa zona de segurança. Ela existe entre milhares de balas, dezenas de explosões e centenas de danos à propriedade alheia, mas existe. Se no MCU, os filmes do Russo representam a melhor versão da fórmula de sucesso dos Vingadores e seus heróis, Agente Oculto funciona quando está na mesma posição. Quando há uma sequência de ação grandiosa e tudo está em movimento frenético, Joe e Anthony encontram seu ritmo e, como fizeram com o Capitão América e seus colegas, colorem tais cenas com vários toques de personagens reforçando ou estabelecendo suas personalidades, ou doses de humor simples mas bem-vindas (nesses momentos, Gosling está em seu melhor). As mais ambiciosas tomadas oferecem as brechas necessárias para encontrar carisma e diversão num espetáculo outrora, bom, cinza.


Infelizmente, as instâncias nas quais essa caríssima máquina está funcionando não são muitas, e quando Agente Oculto não acerta em tudo, ele parece errar o alvo totalmente. O elenco talentoso impede o tropeço total, mas os elementos de roteiro da obra operam entre o básico e o esquecível, estabelecendo motivações óbvias e forçando passados traumáticos para tentar compensar a falta de personalidade de seu personagem principal. A principal diferença entre este filme e seus contemporâneos no gênero é a falta de protagonista carismático ou interessante.


Gosling até se esforça e encontra algumas chances para usar seu humor seco e rosto menos expressivo para dar a Gentry um ar de indiferença cômica ou impaciência sarcástica, mas há muito pouco para se aproveitar no texto. Lembrei de Michael B. Jordan no (pior, mas semelhante) Sem Remorso. Nas mãos de um ator pior, o papel seria um desastre, mas até com alguém capaz na direção, existe um limite quando o personagem pode, imediatamente, ser jogado em listas de “heróis de ação mais genéricos do século 21.”


No livro, Gentry é um sobrevivente, sempre suportando uma carga de dor surreal em seu corpo para, em troca, conseguir derrotar o próximo inimigo. Mais solitário, ocasionalmente irreverente mas ainda sim de poucas palavras, a criação de Greaney funciona por causa da capacidade literária de nos colocar dentro de sua mente. Vemos sua lógica. Observamos o mundo por seus olhos. Tais feitos não existem na direção dessa adaptação, e nem na atuação de Gosling. Aqui, os Russo criam em Ana de Armas uma parceira para o espião, dando ao titular Agente alguém com quem conversar em sua jornada. Enquanto a atriz cubana traz, como sempre, um tempero único e reconhecível, ela sofre da mesma falta de caracterização. Diferente, por exemplo, dos seus poucos mas inesquecíveis minutos em 007 - Sem Tempo Para Morrer, Agente Oculto não oferece um quadro no qual ela pode preencher os vazios com seu charme natural.


Quem se salva é Evans e a jovem Julia Butters como a sobrinha de Fitzroy (um subutilizado e automático Billy Bob Thornton), ex-mentor de Gentry. A garota e o tio são sequestrados por Lloyd para atrair Court, e seja no flashback para estabelecer sua relação com o agente secreto, ou nos momentos nos quais dividem a tela, Butters — como fez com DiCaprio em Era Uma Vez em… Hollywood — não só se mostra capaz de atuar contra uma estrela do cinema, como às vezes parece superá-lo. Evans, por sua vez, está tendo um deleito com este personagem. Como fez em Entre Facas e Segredos, ele ataca as falas mais ridículas e abraça a ideia de um idiota completo como um cachorro cheio de baba roendo um osso até o fim. Vestido com camisas polos apertadas, calças-coronhas e mocassins, portando um bigode inexplicável e adorando cada segundo, ele convence como vilão e entende perfeitamente a natureza cômica do antagonista. Até mesmo a luta final se torna interessante por sua causa.


O combate climático, porém, traz de volta ao holofote todos os problemas. O roteiro pouco cuidadoso — a quantidade de vezes que um personagem tem a chance clara de matar um adversário e escolhe não fazê-lo sem razão é impressionante — e a direção sem propósito, mascarando com um nascer do sol falso e vários cortes uma sequência pálida e sem originalidade, atores de qualidade limitados pelo texto. Está tudo ali. Todos os US$ 200 milhões, tomadas usando drones (Michael Bay fez melhor em Ambulância) e talento que deveriam tornar Agente Oculto à prova de erros e uma garantia de sucesso se dissolvem diante da mediocridade de um filme de ação destinado a ser esquecido em meio aos superiores competidores de um gênero passando por uma de suas melhores fases. Essa missão, o Agente Oculto não cumpriu.


2.5/5

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