A Tragédia de Macbeth - Crítica do Chippu

A Tragédia de Macbeth - Crítica do Chippu

Denzel Washington, Frances McDormand e Kathryn Hunter brilham na espetacular adaptação de Joel Coen

Guilherme Jacobs
14 de janeiro de 2022 - 6 min leitura
Notícias

Grande parte da beleza dos textos de William Shakespeare está nas ausências. A força para construir a atmosfera e ambiente de suas peças, incansavelmente levadas ao cinema e televisão, está na falta de descrição, no pouco esforço dedicado a pintar o quadro com detalhes além do necessário. Dois personagens, uma sala, um diálogo. Talvez uma floresta. Uma (três) bruxa(s). Ao limitar as informações nas obras - incluindo a mais famosa, agora adaptada por Joel Coen, com Denzel Washington e Frances McDormand, em A Tragédia de Macbeth - o lendário escritor adiciona um ar sobrenatural, mitológico e misterioso à página, poucas vezes traduzido para a tela. É nessas ausências onde está a beleza do teatro, a permissão para imaginar, criar e aproveitar o pouco, convidando o público a preencher as lacunas com a imaginação.


Nesse sentido, A Tragédia de Macbeth - lançado em caráter limitado na véspera de Natal nos EUA e agora disponível mundialmente no Apple TV+ - é uma das melhores adaptações teatrais já feitas, e uma das grandes traduções shakespeariano para filme, capturando a magia da trágica história do duque de Cawdor de forma comparável ao feito de Akira Kurosawa em sua versão japonesa impecável, Trono de Sangue. Ela não tem a grandiosidade épica das obras dirigidas por Roman Polanski ou Justin Kurzel, mas traz a essência efêmera do texto original - a sensação de estarmos testemunhando os acontecimentos de um universo meio fantasioso, meio real, no qual os locais e personagens ausentes da cena retratada estão escondidos nas sombras, e apenas aqueles em quais o holofote se encontra realmente estão vivos. Um mundo cujas beiras caíram nas trevas.


Joel, dirigindo e escrevendo sem seu irmão Ethan, conquista isso aliado da icônica fotografia digna de Oscar de Bruno Delbonnel, o design de produção simples e eficaz de Stefan Dechant, e a direção artística necessária de Jason T. Clark. Juntos, eles desenham um visual não só impressionante, mas harmônico à peça que se torna difícil imaginá-la de qualquer outra forma. É como se Macbeth devesse ter este visual. Apresentado em preto-e-branco e 4:3, o filme limita o quadro como um palco; Coen posiciona seus atores e elementos como intérpretes de teatro, sempre no centro da imagem e cercados pelo contraste de luz e sombras.


Ao remover a saturação e centralizar a ação, Coen encontra a chave para o clima de Shakespeare. Os personagens e locais iluminados pelo brilho branco sempre cuidadosamente posicionado são como as palavras e letras nos textos do dramaturgo inglês, enquanto a escuridão ao seu redor - responsável simultaneamente por engrandecer a mise-en-scène e torná-la mais abstrata - realça o gosto de impressionismo usado como principal tempero em A Tragédia de Macbeth. Ela é o branco do papel em volta dos escritos. O filme se torna assim tão distinto quanto efêmero, tão minimalista quanto é grandioso, tão palpável quanto fantasioso.


É nas cenas com as três bruxas interpretadas com assustadora perfeição por Kathryn Hunter onde vemos Coel unir com mais intensidade toda essa habilidade. Com pequenos toques, ele introduz as três irmãs de maneira simples, porém eficaz. Na cena mais arrepiante da obra, apenas uma figura se mostra diante de Macbeth na Terra, com suas outras partes limitadas ao reflexo de uma poça no campo de guerra. Em outra, as três existem como corvos, mas apenas uma recebe destaques nos closes. Aproximando a câmera da atriz, Coen também permite que Hunter roube a cena até de Washington, travando seu rosto em expressões inexplicáveis, pertencentes apenas àquilo que vem da escuridão.


O astro principal, porém, não é menos do que excelente. Sem esconder a idade com cabelos grisalhos, Denzel interpreta essas tão conhecidas falas tanto seguindo com genialidade o esperado como tomando escolhas inesperadas, mas não menos dignas de elogio. Conhecido por seus gritos de fúria, ele por vezes abaixa o volume e decide deixar a sutileza fazer o trabalho. McDormand, sua Lady Macbeth, é ótima nos momentos nos quais o veneno parece estar escorrendo da boca dessa vil e cruel personagem, aqui menos sedutora na sexualidade mas potente nas tentações. Também é preciso destacar Alex Hassell, o Ross de Joel Coen, cujas sobrancelhas arcadas e olhares curiosos agora parecem predestinados a uma das figuras mais complexas e intrigantes da peça.


Estou longe de ser especialista em Shakespeare, então comentar as cenas cortadas (Hécate falando com as bruxas, a longa conversa entre Malcolm (Harry Melling) e Macduff (Corey Hawkins) não me parece apropriado, mas Joel Coen brilha na realização das cenas mais icônicas da tragédia - o avanço do bosque não derrubará seu queixo como na versão da Kurosawa, mas é recriado com ideias novas e visualmente marcantes, por exemplo - e, acima de tudo, em seu caráter; A descida do homem à escuridão em sua corrompida ambição, a depravação total da alma sedenta por poder e a perpétua insatisfação de tê-lo e ver sua natureza não mais sólida do que o ar. O que é Macbeth, se não isso?


4.5/5

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