
007 - Sem Tempo Para Morrer - Crítica do Chippu
Franquia James Bond dá adeus adequado e bombástico a Daniel Craig

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Do primeiro minuto no qual o James Bond de Daniel Craig entra em cena em Casino Royale, estava claro como ele seria diferente dos seus gigantescos antecessores. Este 007 nos é apresentado como um jovem arrogante, incapaz de resolver certas missões sem apelar para violência, matando alvos marcados para captura e esquecendo o significado da palavra “secreto” logo após “agente.” Menos um ícone e mais um personagem, sua versão do espião de Ian Fleming iria mostrar as fraquezas e consequências do homem com licença para matar. Quantum of Solace o mostrou numa missão de vingança pessoal, o excelente Skyfall soube como levantar o suficiente de sua cortina particular para tirá-lo da zona de conforto, e Spectre perdeu o equilíbrio entre desenvolvimento e mistério numa tentativa de conectar toda a saga de Craig num estilo Marvel. Agora, 007 - Sem Tempo Para Morrer resgata o britânico para uma conclusão adequada à sua história através de um longa-metragem bombástico, gigantesco e pessoal.
O mais longo de todos os 007, Sem Tempo Para Morrer precisa alcançar diversos objetivos em seus 146 minutos, incluindo apagar erros de Spectre, despedir Craig e ainda sim contar sua própria história, uma envolvendo o vilão (e o plano) mais absurdo a enfrentar este James Bond realista, cuja existência vem novamente na era da internet, da espionagem feita em computadores e dos inimigos invisíveis, como M (Ralph Fiennes) o lembra num dos melhores diálogos do roteiro, assinado pelo diretor Cary Joji Fukunaga, Robert Wade, Neal Purvis e a inigualável Phoebe Waller-Bridge, trazida em parte para garantir o bom tratamento das personagens femininas. Exposto como nunca, este Bond precisa mais uma vez lidar com a entrada de sua vida secreta na vida pessoal construída ao lado de Madeline Swan (Léa Seydoux), sua paixão de Spectre.
É uma premissa arriscada. Por um lado, Skyfall revelou o suficiente do passado de Bond e do MI6 para mostrar como figuras do passado podem retornar para assombrar os agentes secretos, encaixando-se perfeitamente entre a transformação de 007 em alguém mais humano mas sem cair no erro do filme seguinte ao tentar trazer significado para toda sua vida, quase argumentando que James Bond estava destinado a se tornar um agente secreto. Onde Fukunaga e seus colaboradores acertam, entretanto, é no interesse no presente e futuro ao invés do passado.
Na verdade, essa é a mensagem suprema do texto (e contexto) de Sem Tempo Para Morrer, convidando Bond e a audiência a olharem para frente num processo de despedida. Todos estão aqui; Q (Ben Whishaw), Moneypenny (Naomie Harris), Tanner (Rory Kinnear) e até Felix (Jeffrey Wright) retornam para uma última rodada nos papéis ao lado das novatas Nomi (Lashana Lynch) - uma nova 00 - e a carismática Paloma (Ana de Armas), que em pouquíssimo tempo de cena consegue se tornar a personagem mais interessante, divertida e diferente de todo o elenco; tão boa que sua ausência no restante da franquia beira o injustificável, mas também um gigante convite aos estúdios de Hollywood para darem à atriz seu próprio palco para brilhar.
Blofield (Christoph Waltz) também retorna, mais como uma presença pairando sobre a história do que um jogador ativo na mesma. Esse papel vai para Lyutsifer Safin (uma pronuncia perigosamente parecida com Lúcifer), o vilão vivido por Rami Malek na atuação mais Rami Malek-iana possível, cheia de cacoetes e personalidade ao ponto de, mais uma vez, parecer uma imitação. Em suas cenas com Craig ou outros personagens, a impressão é que estamos vendo alguém vindo de outro filme, talvez o antagonista de uma paródia cômica como Kingsman ou Austin Powers. Seu plano, o mais ousado encarado por este Bond, é digno de sua aparência e performance, mas onde a atuação fracassa o roteiro funciona, trabalhando com reviravoltas interessantes e conceitos dignos do mundo da espionagem para forçar 007 para fora de sua zona de conforto e justificar as apreensões de M sobre este novo mundo perigoso. As motivações do adversário nunca são muito bem explicadas ou trabalhadas, mas ele é um vilão do 007. Ele quer dinheiro, poder, influência. Você sabe.
Bond também sabe, mas o interesse dele aqui é tão pessoal quanto profissional. O encontramos aposentado ao lado de Madeline tentando com ambos tentando deixar para trás os erros do passado, e Safin o força a retornar à ativa quando se mostra a chave para entender os segredos de sua misteriosa amante. Teria sido um erro para James se deixar vulnerável? Se mostrar para alguém? Teria, a franquia 007, errado ao nos deixar ver um Bond que sangra, sua e chora, com vida e relacionamentos além das mulheres deixadas por ele com o perfume na pele e um vazio do lado da cama nas versões mais românticas, porém desumanas de Sean Connery, Timothy Dalton, Roger Moore e outros?
Sem Tempo Para Morrer caminha nessa corda bamba, tentando entrar no íntimo do seu protagonista sem nunca transformá-lo num escolhido como Spectre tentou, derrubando as barreiras criadas por 007 para mostrar como o maior perigo para um lobo solitário é ter sua solitude violada, ser ferido no interior por palavras e traições tanto quanto é no exterior por balas e facas. O resultado é um sucesso. Este não é o melhor filme desta encarnação de James Bond, mas os problemas vêm mais da natureza de uma história de espionagem - muita exposição, vilão mal trabalhado e coadjuvantes rasos - do que de nos mostrar a verdadeira face do protagonista e daqueles ao redor.
Craig abraça a ideia com os dois laços, aparentemente se deleitando no desafio de adicionar textura a seu papel ao aproveitar momentos cômicos como nunca antes, revelar inseguranças e temores inéditos e encerrar seu complicado relacionamento com a franquia de maneira digna. É de longe o melhor trabalho dele no papel, e por isso é uma pena não ter outros atores operando no mesmo nível por mais tempo. Fiennes, Wright e de Armas se destacam, Seydoux consegue acompanhá-lo, mas não há ninguém como Javier Bardem ou Mads Mikkelsen dessa vez. As cenas entre Malek e Craig são poucas, mas nenhuma traz o peso e intensidade do encontro entre Bond e Silva em Skyfall, por exemplo.
Todas as outras peças fazem jus ao ótimo trabalho do ator em despedida. A direção de Fukunaga traz uma limpeza e claridade dignas de James Bond, construindo uma obra tão estilosa, fina e elegante quanto os ternos, carros e relógios do espião, fluindo através da fenomenal fotografia de Linus Sandgren e da trilha sonora mais minimalista, porém adequada de Hans Zimmer. Como Bond, Sem Tempo Para Morrer às vezes desabotoa o terno e parte para os socos, disposto a sujar sua gravata com poeira e sangue em cenas de ação grandiosas. Uma perseguição pelas vilas da Itália é a primeira grande sequência e deixa claro quão alto é o patamar para o que virá. Combates numa floresta densa e, depois, numa fábrica abandonada mantêm o padrão, culminando com uma imagem semelhante a fogos de artifício para celebrar e, ao mesmo tempo, despedir Daniel Craig do seu maior papel até aqui.
A despedida é mais clara que qualquer outra encarnação do herói. Afinal, esta é a primeira vez que, além de darmos adeus ao ator da vez, sentimos que estamos nos despedindo de uma versão deste icônico personagem. Vimos a história começar, vimos quando ele realmente se tornou 007, quando seu chão caiu e, agora, o vemos dar um último tiro em direção à tela. Em sua mão, não só uma arma, mas um aceno. A nós cabe apenas levantar nossas taças com vodka martini (batida, não mexida) e esperar o próximo rosto a dizer “Bond, James Bond.”
Nota: 4/5
guilherme-jacobs
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