Uma Noite em Miami... - Crítica do Chippu

Uma Noite em Miami... - Crítica do Chippu

Estreia diretorial de Regina King impressiona com atuações de primeira

Guilherme Jacobs
25 de janeiro de 2021 - 6 min leitura
Crítica

Todo filme depende, em algum grau, de suas atuações. São elas que nos convencem do que está sendo dito, feito ou insinuado. Mas são os baseados em peças, que usam menos locais e menos personagens, que parecem ser os mais dependentes disso. Ano passado vimos isso com A Voz Suprema do Blues, um longa totalmente ancorado pelas tempestades vivas que são Viola Davis e, especialmente, Chadwick Boseman.


Uma Noite em Miami… é um exemplo disso. A estreia diretorial de Regina King (Watchmen, Se a Rua Beale Falasse) é adaptada da peça de mesmo nome de Kemp Powers (Soul), que também serviu como roteirista do filme, disponível agora no Amazon Prime Video. O sucesso da obra depende das quatro atuações em seu cerne e, felizmente, assim como A Voz Suprema do Blues, os atores entregam tudo e mais um pouco para obter o resultado desejado. Entretanto, diferente do filme da Netflix, o resto da produção - seja sua direção, montagem ou fotografia - acompanha as performances e cria uma experiência superior.


A história mostra uma conversa fictícia entre quatro figuras titânicas da cultura preta dos EUA. São eles o ativista Malcolm X (Kingsley Ben-Adir), o cantor Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), o jogador de futebol americano Jim Brown (Aldis Hodge) e o lendário boxeador Muhammad Ali (Eli Goree), na época ainda chamado de Cassius Clay. Com o passar da hora, o quarteto debate diversos tópicos que incluem suas carreiras, crenças religiosas e, acima de tudo, a luta contra o racismo.


Antes de chegar à noite importante, King faz questão de estabelecer cada um dos personagens e mostrar a maneira como eles enfrentam o racismo. São cenas valiosas para construir uma noção de quem eles são, mas elas não apresentam muita energia e, suspeito, poderiam ter sido cortadas para uma duração menor. Mas depois desses 30 minutos? Dinamite.


Assim que os quatro personagens se juntam, o filme é energizado com tanta força que parece voar. Você nem vai notar o tempo passar. O roteiro de Powers flui com maestria alterando o ritmo da conversa. Ela é hora intensa, hora bem-humorada, hora séria. A velocidade imposta às vezes faz tudo parecer um debate intenso e às vezes um monólogo emocionante. A direção de King acompanha essa intensidade e utiliza, mesmo com poucos cenários, uma variedade visual bem-vinda, que ajuda a deixar cada cena interessante de sua maneira. É uma bela estreia para a diretora, que de cara se mostra à altura de uma tarefa difícil como adaptar o teatro. E tudo isso está ao redor das atuações. Os quatro astros - alguns mais conhecidos que outros - entregam um prato cheio de emoções. Powers dá a cada personagem diálogos de primeira qualidade que são trazidos à vida com poder por cada ator, carregando suas falas com o nível certo de importância, peso ou humor.


Ben-Adir - vencedor do prêmio de Ator Revelação no Gotham Awards deste ano - e Odom Jr. são os destaques, em grande parte pelo debate filosófico que guia a conversa focada nos dois personagens. Qual é a melhor maneira de combater o racismo? O que significa dar poder aos negros? É possível estar envolvido numa causa social sem ser vocal sobre ela? Malcolm X e Sam Cooke representam os diversos prós e contras dessa discussão, que termina com uma declaração clara mas deixa ideias em aberto o suficientes para que você tire suas próprias conclusões.


Talvez a maior decepção seja ver os outros dois personagens não receberem o mesmo tratamento. Ali ainda ganha mais cenas, já que um dos pontos chave do filme é a dele conversão ao islamismo, mas Brown merecia participar mais das discussões. Ele é normalmente usado como voz pacificadora, mas suas visões não são tão desenvolvidas. Felizmente, as atuações de Goree e Hodge os tornam figuras cativantes mesmo que o roteiro não os dê o melhor material.


Uma Noite em Miami… é o que eu queria que A Voz Suprema do Blues tivesse sido. Ele é dinâmico, trata a história mais como filme do que como peça e conta com um elenco impecável, algo que também podemos dizer da obra da Netflix. Ele ainda não consegue superar completamente alguns pesos que uma obra teatral traz para adaptações cinematográficas, mas Regina King faz mais do que o suficiente para prender nossa atenção, especialmente quando ela junta quatro lendas numa só sala.

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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