
Cannes: Triangle of Sadness - Crítica do Chippu
Comédia deliciosamente desconfortável de Ruben Östlund é um espetáculo hilário de comentários sociais e piadas indescritíveis

Crítica
Ruben Östlund já é uma comodidade conhecida em Cannes. Vencedor do prêmio da categoria Un Certain Regard com Force Majeure e da Palma de Ouro com The Square, o perspicaz diretor sueco retornou ao Festival este ano com o excepcionalmente divertido e comicamente desconfortável Triangle of Sadness. O título se refere à área entre as sobrancelhas, onde o nariz termina, e ao triângulo formado nela quando uma pessoa franze a testa. Esse é um dos motivos frívolos pelos quais Carl (Harris Dickinson) perde um trabalho como modelo masculino, e revela os interesses do cineasta nessa nova comédia de absurdos.
Dividido em três partes, Triangle of Sadness primeiro nos apresenta ao casal de modelos Carl e Yaya (Charlbi Dean). Seu relacionamento está passando por algumas tensões agora que a carreira dela está em rápida ascensão enquanto ele foi basicamente reduzido fotógrafo de instagram para a namorada. Uma longa briga mostra o quão banais seus problemas são. Eles estão juntos, mas são incapazes de funcionar como um par. Carl e Yaya se perdem em raiva por motivos fúteis e superficiais, se tornando incapazes de conversar ou expressar sentimentos com honestidade, e se tornam os instrumentos perfeitos para Ôstlund introduzir as ideias prestes a ser exploradas com seu olhar preciso e senso de humor fantástico. À princípio, o filme parece destinado a comentar através de piadas a falta de noção presentes em influencers e dentro da elite da moda. Isso, porém, é apenas o começo.
O verdadeiro escopo de Triangle of Sadness (e seus verdadeiros alvos) é revelado na segunda parte, quando Carl e Yaya vão para um iate de luxo curtir uma semana no alto mar. Lá eles encontram uma série de personagens diferentes - todos ricos e completamente fora da realidade. Zlatko Buric interpreta um hilário russo capitalista à frente de uma família repleta de figuras (uma delas, interpretada pela fonte de risadas chamada Sunnyi Melles faz toda a tripulação do navio passar vergonha enquanto jura estar os entretendo), Henrik Dorsin vive Jorma, um bilionário de tecnologia incapaz de falar com mulheres com uma cara de pânico indescritível, e Vicki Berlin faz a chefe Paula, embora não parte dos ricaços, alguém igualmente fascinada pelo dinheiro.
Ôstlund joga todos esses ingredientes (e mais, porque nem mencionamos o casal de idosos responsável por fabricar… ah, melhor guardar a surpresa) numa panela de pressão e os deixa cozinhando até queimarem o fogão inteiro. Depois, ele tira a tampa, derrama tudo no chão e faz sua já tradicional arte com traços de comentário social e humor afiado numa escala de precisão pouco vistas no cinema atual. Adam McKay precisa de outro meteoro para chegar perto de Ôstlund. Revelar a sequência de espetáculos lúdicos que se apresenta neste barco seria um crime. Podemos dizer, contudo, que o diretor torna o ambiente mais constrangedor, ridículo, inacreditável e empolgante, incrementando, riso após riso, um banquete de zombaria ácido. Isso tudo antes da entrada de Woody Harrelson como o capitão da embarcação, um marxista bêbado totalmente ciente da sua hipocrisia. O personagem, porém, reflete o único erro do filme. Às vezes, depois de tantos rir, o fôlego some. Nessas horas, Triangle of Sadness fica um pouco didático demais.
Esse problema é semelhante na terceira e última parte do longa, uma na qual os personagens do iate são surpreendidos com uma situação totalmente inusitada. Eventualmente, o balão fica sem ar e as 2 horas e 30 minutos de duração pesam um pouco. Antes de chegarmos nisso, entretanto, há muito mais risadas, ideias inesperadas e personagens memoráveis pelo caminho. Em especial, há a adição de Dolly De Leon como uma figura que pontua, sublinha e circula a temática deste show de horrores (no bom sentido). Ela é o grande destaque de um elenco recheado de atuações em total sintonia com o ritmo e tom do roteiro de Ôstlund, abrindo caminho para gargalhadas de uma natureza totalmente inédita mesmo depois que Dickinson (caprichosamente irônico), Dean (de certa forma, a mais normal do grupo), Buric (a dose certa de exagero) e Berlin (irritante na medida ideal) trouxeram, cada um, um sabor diferente de palhaçada.
Entrar em mais detalhes, além de não ser recomendado em filmes como estes, não faria jus ao sucesso e à graça do trabalho de Ôstlund em criticar uma sociedade cada vez mais distante do aceitável, uma que através dos excessos esquece como lidar com as consequências de seus atos, como desenvolver e cultivar relacionamentos, e acima de tudo como tratar o próximo como humano. Todos são seus alvos aqui. O diretor não se prende à direita, à esquerda e, felizmente, não tenta atribuir a culpa apenas à geração da internet. Ele sabiamente reconhece as redes sociais como apenas a mais nova forma de perpetuar a ostentação tóxica vinda do acúmulo material pelo qual homens e mulheres cometem atrocidades, se humilham e maltratam outros. Essas pessoas são piadas. O humor de Östlund as desarma, envergonha e expõe.
4.5/5

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