Cannes: The Sweet East é o Jóias Brutas da geração Z | Crítica do Chippu

Cannes: The Sweet East é o Jóias Brutas da geração Z | Crítica do Chippu

Jacob Elordi, Talia Ryder e Ayo Edibri estrelam longa de Sean Price Williams

Guilherme Jacobs
18 de maio de 2023 - 4 min leitura
Crítica

No meio de uma excursão para a Costa Leste dos Estados Unidos, a sulista Lillian (Talia Ryder) percebe que não aguenta mais seu mundinho. Quando The Sweet East começa, ela acabou de acordar com o cara mais desejado da classe, um idiota cuja brincadeira sobre ela guardar a camisinha usada (vai que ele fica famoso) tem grandes chances de não ser, de fato, uma piada. Depois, olhando para o resto da classe, ela não vê alguém mais interessante. Está na hora de mudar de ambiente. A oportunidade perfeita surge num bar de karaokê frequentado por delinquentes locais. Enquanto estava no banheiro, Lillian escuta tiros e descobre um teorista da conspiração ameaçando o dono do estabelecimento de morte caso ele não admita ter um porão de pedofilia. Um dos arruaceiros sai fugindo, e Lillian vai junto. Sua rota de fuga, descobrimos, é o dito porão. “Era maior quando eu era criança", o seu guia fala.

Esse é o tipo de piada que você esperar de The Sweet East, a estreia diretorial de Sean Price Williams (mais conhecido como o diretor de fotografia dos Irmãos Safdies em Bom Comportamentoe Joias Brutas) exibida na Quinzena dos Realizadores, um dos eventos paralelos na órbita do Festival de Cannes. O que vem logo após uma suposta brincadeira como essa, contudo, é o que realmente te diz que tipo de filme é esse.

Em The Sweet East, toda piada parece ser real. Nada é apenas uma brincadeira, mas tudo parece ter se tornado realidade meros segundos depois que registramos o cômico, como se o mundo fosse criado em tempo real quando uma proposta inusitada cruza o caminho de Lillian. Contrapondo esse clima de Alice no País das (Não) Maravilhas, porém, está a expressão indiferente no rosto da garota. Nunca impressionada com nada, Lillian sai daquele bar para a casa dos punks de Washington, onde testemunha a mais perturbadora visão fálica de sua vida e se prepara para um conflito violento. Depois, ela passa uns meses com um neo-nazista tagarela chamado Lawrence (um maníaco Simon Rex), se aventura como atriz ao lado do galã Ian (Jacob Elordi) num filme comandado pelos empolgados Molly e Matthew (Ayo Edibiri e Jeremy O. Harris), e vai parar na fazenda da família terrorista de Mo (Rish Shah).

Se isso tudo soa absurdo, então saiba que estou pegando leve nos detalhes e se prepare para algo na linha deO Mistério de Silver Lake através dos olhos de um suspense político dos anos 1970, mas sempre firmado na velocidade incessante da era da internet, onde a constante exibição de atrocidades, loucuras e cenas hilárias é capaz de deixar uma geração apática diante das mais variadas situações. Ryder caminha perfeitamente na linha entre o tédio indiferente e a curiosidade sapeca enquanto passa por essa roleta russa de figuras e clichês norte-americanos. Seja o incel pedófilo, os artistas alternativos ou qualquer coisa entre os dois. Seu olhar inquisitivo sempre esconde segundas intenções, mas seu pequeno sorriso trai a verdadeira opinião da garota aos cenários onde o roteiro de Nick Pinkerton lhe coloca.

Rex, Edibiri, Elordi, O. Harris, Shah e outros membros do elenco entendem com precisão o tom exato de seus personagens. Rex é o grande destaque, novamente interpretando um lixo humano, mas enquanto o ator está consciente do quão patético o papel é, o personagem realmente acredita em seus caminhos reacionários, ao ponto de ser facilmente manipulável. Lillian agradece. Elordi, porém, merece ser destacado de igual forma. Em pouco tempo de tela, o ator de Euphoria faz uma grande audição para seu papel como Elvis no próximo filme de Sofia Coppola enquanto revela um bem-vindo talento para a comédia autodepreciativa.

O patamar do elenco é tal que eles parecem estar mais em sintonia com o texto do que o próprio roteiro de Pinkerton. Há uma acidez tóxica intencional na escrita, e Pinkerton demonstra entender como desdobrar isso com longos discursos e palavras escolhidas à dedo para os personagens… até que não entende mais. Em dados momentos, The Sweet East tenta aplicar uma espécie de humor que fica mais engraçado quanto mais se estende, alcançando pela repetição e insistência a medida certa de incômodo e divertimento. Os resultados são irregulares. Há horas em que isso termina asfixiando as risadas. Felizmente, Sean Price Williams pode simplesmente voltar sua câmera para um de seus ótimos atores e resgatar ele encontrará um resgatador.

A câmera de Williams, aliás, continua sendo uma importante aliada. Também trabalhando, claro, como diretor de fotografia, o cineasta banha seu filme no tipo de ruído e textura vistos em seus outros trabalhos, conferindo à película cores e luzes que deixam até o mais banal ambiente rico em beleza. Dentro desses quadros pintados de forma tão tátil há o que Will Elder da lendária Mag Magazine chama de Gordura de Galinha — piadinhas espalhadas por todo canto num grau grande o suficiente para que nossa mente não seja capaz de registrar tudo num só olhar. Uma segunda passagem pelo filme certamente será recompensadora, mas mesmo na primeira viagem, pôsteres nas paredes, títulos em capas de CDs e estampas de camisetas causaram uma imediata impressão.

É possível buscar significado em meio a esse caos controlado, mas talvez não seja aconselhável. É fácil interpretar The Sweet East como uma crônica dos Estados Unidos pós-moderno, como uma fábula de amadurecimento sobre uma garota pulando de tribo em tribo para encontrar sua casa, ou como outra ideia cabeçuda. É mais provável, porém, que ao fazer isso, estamos sendo trollados. Tal qual Lillian tem uma hostilidade quieta para com tudo à sua volta, Sean Price Williams parece ansioso para zoar quem levar The Sweet East a sério demais.

3.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

0h 0min
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