
Shin Kamen Rider é o melhor filme live-action de super-herói do ano - Crítica do Chippu
Hideaki Anno investiga a alma humana enquanto desconstrói e homenageia o gênero tokusatsu

Crítica
Uma das características que define o tokusatsu, gênero de cinema de ação com efeitos especiais no qual se encaixam diversos filmes de heróis e monstros japoneses, é o amor à própria iconografia: as poses, os enquadramentos de saltos, os golpes decisivos, as explosões. É preciso entender bem esse estilo para quebrá-lo em pedaços e reconstruí-lo como emShin Kamen Rider (ou Shin Masked Rider, na versão traduzida disponível no catálogo do Prime Video no Brasil).
O filme, que faz parte das celebrações de 50 anos deste herói — um símbolo nacional no Japão cuja popularidade estourou no Brasil nos anos 1990 com as séries Kamen Rider Black e Black RX — é o tipo de trabalho que só poderia sair da cabeça de um de seus maiores adoradores: Hideaki Anno. Criador do anime Evangelion, Anno tem dedicado os últimos anos a releituras de clássicos de diferentes gêneros, dirigindo Godzilla Resurgence (2016) e escrevendo Shin Ultraman (2022), este dirigido por seu parceiro Shinji Higuchi.
Com Kamen Rider, no entanto, o processo seria diferente. Ao ter em mãos uma de suas maiores paixões (ele vestiu a roupa do herói no dia do próprio casamento), Anno sabe exatamente onde encaixar cada um dos elementos que o tornam conhecido — e onde subverter todas as regras.
O resultado é um filme por vezes caótico, especialmente nas cenas de ação. A câmera tremida, o uso e abuso de tomadas vertiginosas e o extermínio sangrento de seus inimigos, um reflexo da dificuldade do protagonista Takeshi Hongo (Sosuke Ikematsu) em assimilar os poderes sobre-humanos que recebeu, se intercala com enquadramentos fixos, o foco nos detalhes do uniforme, as poses clássicas e até mesmo recriações quadro a quadro de cenas da primeira série de Kamen Rider.
A insistência nessa estética acelerada e por vezes confusa acaba por apressar a condução do roteiro. Hongo se alia rapidamente a Ruriko Midorikawa (Minami Hamabe), cuja missão é enfrentar a organização Shocker, responsável pelos experimentos biológicos que dão poderes de insetos a humanos, como o próprio Hongo e a galeria de vilões que eles precisam combater.
À medida que as motivações de Ruriko e Takeshi são apresentadas e os conflitos com a Shocker se encaixam, o filme é conduzido pelas lutas entre a dupla de protagonistas e os membros da organização, chegando então ao seu ponto alto. As coreografias e a movimentação das composições deixam os combates infinitamente mais satisfatórios, sem medo de assumir suas limitações na computação gráfica.
Tudo isso é complementado por uma construção de mundo na qual Anno dialoga profundamente com Evangelion. Eu não sou fã da obra mais famosa do cineasta, mas preciso admitir que sua estética casou perfeitamente com a visão do diretor para Kamen Rider. Da apresentação asséptica e dismórfica dos vilões da Shocker a um elenco de suporte composto por autoridades do governo que acompanha o desenrolar da ação de longe, no melhor estilo da NERV.
Mais importante é como, semelhante ao seu anime seminal, Anno faz da história de origem do primeiro Kamen Rider um exercício da condição humana, mas partindo de um ponto diametralmente oposto: enquanto Shinji, o protagonista de Evangelion, relutava em aceitar o papel de salvador da humanidade por conta de seus demônios interiores, Hongo tem a clássica motivação de proteger todos ao seu redor, mas precisa encarar o horror e a violência de suas escolhas.
Mesmo com uma fração dos recursos de um Marvel Studios ou uma Warner com a DC, Anno apresenta uma visão mais coesa e interessante do que todos os outros longas live-action do gênero até o momento em 2023 (e seria o destaque absoluto do ano se não tivéssemos a experiência transcendental de Homem-Aranha: Através do Aranhaverso).
Transitando entre homenagens e inovações em sua linguagem cinematográfica, Shin Kamen Rider é uma releitura única de um dos heróis mais importantes e famosos da cultura pop japonesa, em uma mistura que entende o que faz desse personagem tão interessante sem deixar de lado aspectos que atualizam as cenas de ação. E, em um ano no qual super-heróis não têm tido seus melhores momentos nas telonas, é um sopro de ar fresco.
4/5

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