Red: Crescer é uma Fera - Crítica do Chippu

Red: Crescer é uma Fera - Crítica do Chippu

Pixar encara temas complexos como puberdade e menstruação sem vergonha e com muito humor

Guilherme Jacobs
9 de março de 2022 - 9 min leitura
Crítica

Talvez o maior mérito da Pixar seja sua capacidade de tratar de temas complexos com simplicidade - seja a morte em Viva - A Vida é uma Festa, emoções em Divertida Mente ou o próprio propósito humano em Soul. O estúdio consegue abordar assuntos difíceis de maneira compreensível para crianças e cativante para adultos. Com Red: Crescer é uma Fera - terceira animação consecutiva do estúdio sendo lançada no Disney+ (nesta sexta, 11 de março!), a diretora Domee Shi encara o maior desafio da casa até hoje: puberdade. Surpreendentemente (ou não?), a cineasta e sua equipe o fazem de forma brilhante.


Red é uma comédia de amadurecimento sobre a garota Meiling Lee, ou só Mei (Rosalie Chiang no inglês), uma adolescente canadense dedicada a sua família e sua ascendência chinesa. Ela ajuda os pais num templo homenageando seus antecessores, tira notas máximas na escola e se apresenta como uma filha perfeita em diversos sentidos. Mas na escola, com suas amigas, Mei é diferente. Ela escuta a boy-band 4town (meio Backstreet Boys, meio BTS), lê Nightfall (Crepúsculo deste universo) e está começando a ter crushes em meninos, especialmente perdedores mais velhos que, na visão de uma menina, são os caras mais legais do mundo. Mei só não pode deixar sua mãe, Ming (Sandra Oh), descobrir.


Como diversas obras tratando das diferenças e semelhanças entre Ásia e ocidente, particularmente através dos filhos e netos de imigrantes, Red encara a pressão por perfeccionismo e a obsessão pela honra da família com precisão, mas sempre com muito humor e graça, especialmente quando Mei começa a mudar. A metáfora é óbvia. Um dia, quando ela começa a sentir emoções fortes demais, a menina se transforma num panda-vermelho gigante, uma imagem da ideia de ficar vermelho quando se está envergonhado, com raiva, apaixonado ou chorando. Ou, como veremos logo depois, de menstruação e despertar sexual.


Calma. A Pixar não fez um filme explícito e inapropriado para crianças, mas esses temas estão ali, de maneira cuidadosa, honesta e humana. Pelo contrário, talvez esse seja um bom instrumento para mostrar aos filhos na hora daquela conversa, especialmente meninas. Há cenas tratando abertamente ou fazendo alusões para a primeira menstruação da menina (a cor vermelha do panda representa muitas coisas), ela tem sonhos molhados (imaginando seu cantor favorito como um sereio no oceano) e obviamente não quer conversar com os pais sobre isso. Seu corpo está mudando, de diversas formas. Agora, garotos não são nojentos, mas objeto de desejo. Estar com as amigas é mais convidativo do que passar mais tempo com a família. Tias e avó incomodam, mas ir a um show de 4town, completo com músicas escritas por Finneas e Billie Eilish capturando perfeitamente o som pop dos anos 2000? Imperdível.


Banhado na cultura da virada do milênio para capturar a imaginação de qualquer pessoa acima de 24 anos, Red é o sinal de uma nova Pixar. Além de trazer uma protagonista feminina (apenas a quarta da Pixar, depois de Dory, Alegria e Merida, e a primeira com 13 anos de idade), ele anuncia uma nova leva de animadores com sensibilidades millennial e cuja nostalgia envolve cadernos com adesivos, clipes musicais pop, Tamagotchi e animes - influências e referências constantes no novo filme. Mas além disso, Shi, trabalhando com base num roteiro escrito dela e de Julia Cho e na história de Sarah Streicher, ousa imaginar o que vem depois da maior parte das criações do estúdio. Da mesma forma como Soul surpreendeu ao encarar a vida adulta, Crescer é uma Fera encanta ao mostrar o começo da adolescência, não o fim da infância, algo visto em diversas obras do estúdio, seja Luca ou Toy Story. Esse tipo de amadurecimento não estava ausente nas animações feitas até aqui, mas nunca foi seu ponto central, sua força narrativa e sua principal preocupação.


Claramente influenciada por animes, seja nas linhas de ação ou nos olhos cartunescos, Red também dá novos passos para a Pixar em direção artística e design. O estúdio que dominou a animação gerada por computação ao ponto de criar um gato com este em Toy Story 4 nunca tentou ser realista demais, mas costuma introduzir a fantasia no próprio texto dos filmes. Quando algo sobrenatural acontece e os personagens se transformam visualmente, há uma razão no roteiro. Red ainda tem um pé nisso, claro - nossa heroína vira um panda-vermelho gigante. Mas ele também coloca estrelas nos olhos de Mei quando ela vê 4town, exagera suas feições e muda seu cabelo por motivos puramente estéticos. Depois da variedade vista em Família Mitchell e especialmente no revolucionário Aranhaverso, o fotorrealismo da Pixar e Disney Animation pode estar começando a cair na mesmice, e Red deve servir como exemplo para o estúdio de que às vezes é legal quebrar as regras.


Mas ainda é preciso destacar como a Pixar está em outro patamar na iluminação e composição de cenas. Uma delas, com Mei voltando para casa à noite, observando as luzes de Toronto refletidas na janela do carro de sua mãe, está entre as mais bonitas de 2022 até aqui e deve permanecer lá até o fim do ano. Isso sem falar no terceiro ato bombástico, inesperado e divertidíssimo de Red, homenageando um certo gênero de filmes do cinema asiático. É melhor não dizer qual para não estragar a surpresa. Shi e seus colaboradores criam uma identidade visual de constante movimento, de velocidade e vento e reações. Red está constantemente indo de um lado para o outro, inquieto como uma garota de 13 anos esperando ansiosamente o dia de ver a banda dos seus sonhos, de quem tenta equilibrar o desejo de atender as expectativas familiares e ao mesmo tempo querendo declarar sua independência através de rebeldia e atitude. Este é o terceiro filme consecutivo da Pixar lançado no Disney+, e o primeiro no qual a desculpa da pandemia é fraca. A Disney, claro, quer fortalecer seu streaming, mas é quase um crime não poder ver algumas sequências de Red na telona.


Claro, ainda há certos clichés como o pai secretamente sábio e algumas reconciliações fáceis demais, nas quais anos de trauma e complexidade parental são apagados em meros segundos e as soluções parecem surgir como mágica, mas estes cortes de caminho são, de certa maneira, inevitáveis. Shi não dá muita atenção para eles. E, bom, se eles nos levam de volta à estrada principal com Mei, uma das mais divertidas e charmosas personagens criadas pela Pixar até hoje, é fácil perdoá-los.


O núcleo central de Red é ousado, não só para padrões Pixar, mas até para o cinema como um todo. Menstruação, adolescência e o surgimento do desejo sexual não são novidades para a sétima arte, mas normalmente são encarados de maneira dramática, seja em indies gentis ou no erotismo implícito, mas poucas vezes vemos essas questões com tanto humor e comédia. Não as transformando em piadas, mas rindo para desarmá-las, torná-las acessíveis em todas as idades, sem menosprezar a grandiosidade dessa mudança corporal e emocional mas também revelando que o monstro dentro dela, muitas vezes criado pelo silêncio paterno e materno diante do constrangimento que trazem, pode ser um panda fofinho. Basta vê-lo na luz certa.


4/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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