Rebecca - A Mulher Inesquecível (2020) - Crítica do Chippu

Rebecca - A Mulher Inesquecível (2020) - Crítica do Chippu

Vale a pena ver o remake da Netflix deste clássico de Alfred Hitchcock?

Guilherme Jacobs
21 de outubro de 2020 - 8 min leitura
Crítica

Como lidar com um remake que é claramente superior em um aspecto, mas deixar a desejar em todo o resto quando comparado ao original? Rebecca - A Mulher Inesquecível, livro escrito por Daphne du Maurier, ganhou algumas adaptações ao longo dos anos, incluindo séries, peças e dramas de rádio. A primeira, dirigida por Alfred Hitchcock em 1940, ainda é a mais conhecida e deu ao cineasta o seu único Oscar de melhor filme. É um trabalho diferente das outras obras do Mestre do Suspense, enquanto ainda mantém todo o seu DNA.

Agora, 80 anos depois, o diretor Ben Wheatley e a Netflix resolveram visitar Manderley e trazer uma nova versão dessa história. O remake altera decisões que Hitchcock tomou nos anos 40 - uma delas forçada pelo código de Hollywood da época - e é, em fatos, mais fiel ao livro de du Maurier. Entretanto, o clima é totalmente diferente. Parece que o que fascinou Hitchcock é completamente diferente do que fez o mesmo com Wheatley. Um trouxe sua assinatura de suspense e paranoia, o outro criou um romance com toques de contos de fadas.

Em ambas versões, conhecemos uma protagonista cujo nome nunca é mencionado em uma viagem acompanhando uma lady em Monte Carlo. Lá, ela conhece Maxim de Winter, um lorde rico e atraente que acabou de perder sua amada esposa, Rebecca. Os dois terminam se casando e ela passa a ser a nova Sra. de Winter, lady de Manderley, onde conhece os empregados de seu novo marido, com destaque para Srta. Danvers, governanta do lar.

Pode ser injusto comparar os dois filmes, mas é inevitável. O remake não existe num vácuo. Como obra completa, o original permanece superior, mas a versão de 2020 acerta mais em alguns detalhes. Embora fosse um gênio, Hitchcock não foi exatamente o melhor diretor na hora de transmitir o amor e paixão pelo cinema. Obsessão nunca foi um problema para o cineasta, mas basta assistir a introdução do novo Rebecca para ver que Wheatley consegue convencer você da paixão entre Maxim e sua nova esposa como poucos.

Maxim (Armie Hammer) e a nova Sra. de Winter (Lily James) tem uma química que não existe no original. Hammer, apesar de ser meio travado, consegue transmitir mil anos de paixão ao olhar para James, que por sua vez retribui capturando a essência da situação - o constrangimento, a excitação, o mistério - muito bem. Aqui, não há dúvidas do amor de um pelo outro. É claro que eles se apaixonaram. Como ela não amaria o cuidado dele? E como ele não ficaria louco pela leveza que ela traz? James já interpretou Cinderela, e traz ferramentas semelhantes para esse papel. Ela se deixa perder na jornada.

É quando vamos para Manderley que as deficiências de Wheatley, e do elenco, surgem. Rebecca é uma história de amor, mas também é sobre de obsessão e culpa. Wheatley não consegue transmitir as sombras palpáveis como Htichcock fez. Ao chegar em sua nova casa, a Sra. de Winter rapidamente perceberá que ninguém - especialmente seu marido - esqueceu Rebecca. A sombra dela paira sobre a nova esposa e as comparações não param.

Mas onde Hitchcock acertou em como transmitir o fantasma de Rebecca, com simples movimentos de câmera em alguns casos, Wheatley precisa de truques como pesadelos e visões para tentar convencer a audiência da paranoia que se instala em James. Nenhuma cena deixa isso tão claro como o momento em que a Sra. de Winter descobre como, verdadeiramente, Rebecca morreu. No original, a cena tem um ar de filmes de assombração dos anos 30, com a fotografia preto e branca e um nevoeiro quase sobrenatural. Aqui, a fotografia saturada e efeitos especiais para criar o plano de fundo, roubam a sequência do seu peso psicológico.

Quem compensa muito disso é Kristin Scott Thomas, no papel da Srta. Danvers. Ninguém no elenco - com a possível de exceção de Ann Dowd no papel da chefe da Sra. de Winter no começo do filme - opera tão perto do que vemos no papel original - interpretado por Judith Anderson - como ela faz. Seu olhar frio e calculista e feições destacadas deixam claro a reprovação e desgosto que ela sente pela nova esposa de Maxim, mas nunca sem perder o ar de profissionalismo e controle da personagem. O mesmo, infelizmente, não pode ser dito de Sam Riley como Jack Favell. Ele é o que mais deixa a desejar, especialmente quando colocado lado a lado com o que George Sanders faz no filme de 1940.

Por fim, é importante destacar que Wheatley e o roteiro de Jane Goldman, Joe Shrapnel, Anna Waterhouse também se destacam ao dar um papel muito mais ativo para a Sra. de Winter de James do que Joan Fontaine tem no original. As ações da personagem no último ato aqui impactam diretamente a conclusão, enquanto na versão de Hitchcock ela e o Maxim de Laurence Olivier passam a ser mais espectadores do que qualquer coisa.

Rebecca de 2020 é fascinante. Sempre, com remakes, há o risco de ver um filme que não adiciona nada à conversa sobre aquela obra. Com a nova versão, entretanto, Wheatley fez questão de abordar a história por outra lente, com um novo clima. Ele obtém sucesso em áreas que Hitchcock poderia ter sido melhor, mas ao mudar a essência do filme, essa nova versão perde mais do que ganha.

O problema, então, não é ser diferente. Isso é bom, isso agrega e deixa o filme mais interessante. A questão é que a mudança tonal beneficia especificamente o começo do filme e prejudica o drama central da trama. Acreditamos sem obstáculos no amor do casal principal, mas quando a realidade bate na Sra. de Winter de Lily James, parece que Wheatley ainda a vê como uma princesa da Disney, e não como a protagonista do que é, essencialmente, uma história de fantasma.

Nota: 2.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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