Pieces of a Woman - Crítica do Chippu
Drama estrelado por Vanessa Kirby tem uma das aberturas mais impactantes de filmes nos últimos anos
Crítica
Capturar fisicalidade em filmes é um desafio. O sentimento de que algo tem peso ou requer esforço é algo totalmente associado ao tato, um sentido impossível de se comunicar perfeitamente através de áudio e vídeo. As vezes, porém, você encontra uma produção que chega perto o suficiente para causar reações quase físicas. Pense em filmes de ação violentos do cinema indonésio, como Operação Invasão, que frequentemente nos dão vontade de fechar os olhos. É uma sensação parecida que acontece nos primeiros 30 minutos de Pieces of a Woman.
Para falar desse filme, precisamos falar do grande evento que define da história de Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf). Ele acontece antes mesmo do título do longa aparecer na tela e nunca é tratado como spoiler, mas se você quer ter uma experiência totalmente pura, guarde esse texto para depois. O evento em si é uma tragédia. Uma noite que devia ter sido motivo de alegria se torna um pesadelo que acompanhará esse casal como uma tornozeleira por um longo tempo.
É hora do parto caseiro da filha de Martha e Sean. São 30 minutos sem cortes passeando pela casa do casal enquanto eles, aos poucos, percebem que chegou a hora de parir a menina que eles tanto aguardam. O roteiro de Kata Wéber e a direção de Kornél Mundruczó - um casal na vida real que já passou por uma perda enorme - alcançam seu ápice nesta abertura, combinando movimentos de câmera dinâmicos e cativantes com diálogos e mudanças de clima que tornam esses preciosos momentos algo verdadeiramente memorável e cheio de emoções. Tensão, alívio, preocupação, incerteza, alegria e, por fim, tristeza.
A bebê de Martha vive apenas alguns momentos. O suficiente para algumas fotos após o parto até que sua respiração para e o impensável acontece. Imediatamente, sabemos que a vida das três pessoas no quarto nunca mais será a mesma. Isso inclui o casal principal e a parteira Eve (Molly Parker), cujas decisões na noite serão levantadas contra ela em casos judiciais ao longo do filme. Eu namoro uma recém-formada em medicina. Ela está interessada em se especializar na área de gineco-obstetrícia mas uma das razões pelas quais sente ansiedade em entrar neste campo é por médicas dessa categoria serem constantemente processadas. Nunca compreendi 100% essa preocupação, e acho que nunca irei (afinal não serei eu lá), mas Pieces of a Woman certamente me ajudou a entender.
O começo do longa é pura arte. É a combinação perfeita de direção, fotografia, roteiro, atuação e história para gerar na audiência uma sensação singular e intensa. O tipo de coisa que te deixa animado para ver se o resto de Pieces of a Woman consegue manter essa excelência dramática. Infelizmente, a resposta é não.
Apesar de não se desfazer completamente, o roteiro de Wéber cai em melodrama familiar e previsibilidade constantemente, e a direção de Mundruczó perde muito do dinamismo - a não ser em outro plano-sequência que acontece durante um almoço em família dramático - e muito da energia que me deixou esvaziado emocionalmente após a abertura se dissipa.
Ao invés, por exemplo, de investigar o estado interior de Martha e o de Eve, Pieces of a Woman escolhe seguir linhas narrativas cansativas como a forma como Sean lida com a perda de sua filha. LaBeouf se entrega completamente ao papel e mostra sua capacidade de atuação novamente, mas seu personagem trilha um caminho muito previsível que inclui seu retorno ao álcool, perda de intimidade e infidelidade. Suas cenas nunca deixam de ter uma qualidade “B”. É com ele, também, que o filme trabalha dois enredos que podiam ter sido removidos do roteiro, uma tensão econômica entre ele e a mãe de Martha, Elizabeth, (Ellen Burstyn, deliciosamente detestável) e seu caso com a advogada Suzanne (Sarah Snook), responsável por processar a parteira.
Martha ainda é a dona do filme. A atuação de Kirby adiciona à personagem uma profundidade que não existe no papel. O roteiro parece mais interessado em explorar dramas não resolvidos entre ela e Elizabeth com cenas que não mostram a mesma nuance emocional que a atriz principal, uma das favoritas ao Oscar, traz com si. Kirby expressa mil coisas com seu andar. Com seus olhos. Seu silêncio. É uma pena que Mundruczó e Wéber não nos deixam ver mais do tumulto interior que a protagonista está vivendo, escolhendo mostrar da maneira mais óbvia para a audiência que ela sente falta de sua filha (Martha constantemente se pega observando outras meninas com seus pais, e sua estranha obsessão com maçãs é explicada de maneira apelativa) e não dando a Kirby a oportunidade de flexionar mais seus músculos.
Também é frustrante ver a história de Eve completamente abandonada até o fim do terceiro ato de Pieces of a Woman. A conexão entre a parteira e a mãe, em seus poucos momentos juntas, é fascinante e cheia de potencial, mas ela não é explorada até a conclusão do filme, que para ser justo, é bem satisfatória, dando à Martha e à audiência uma catarse necessária.
Pieces of a Woman é importante. Poucos filmes tratam da perda de uma criança. Apesar de não explorar bem a conexão direta entre essa tragédia e o estado emocional da mãe que passou fisicamente pela experiência, as atuações principais, com destaque para Vanessa Kirby, temperam a história com mais profundidade do que o roteiro apresenta, resultando em duas horas que, no mínimo, vão marcar você. Particularmente em seus 30 minutos iniciais. Esses, você jamais esquecerá.
Nota: 3/5