O Telefone Preto - Crítica do Chippu

O Telefone Preto - Crítica do Chippu

No filme de terror de Scott Derrickson, o sobrenatural é a única esperança de crianças que crescem em meio a adultos perigosos.

Guilherme Jacobs
20 de julho de 2022 - 7 min leitura
Crítica

Não há nostalgia em O Telefone Preto. O novo filme de horror de Scott Derrickson (A Entidade, Doutor Estranho) se passa, como muitas histórias do gênero, durante a década da infância do diretor. É 1978 e há adolescentes brincando com foguetes miniaturas, falando sobre O Massacre da Serra Elétrica e passeando pelas ruas do subúrbio de Denver, no Colorado. Não há, porém, aquele saudosismo de It ou Stranger Things. A imagem é dessaturada, o céu é cinza e pedalar de bicicleta pode te colocar na mira do Sequestrador (Ethan Hawke), o assassino de crianças cujo nome se tornou uma espécie de maldição local.


Enquanto outros cineastas observam suas próprias memórias com suspiros de anseio, Derrickson - trabalhando com base na história de Joe Hill - oferece uma refrescante abordagem sem romantismo pelo tempo passado. Aqui, crianças estão em perigo até mesmo dentro de suas próprias casas graças a pais violentos. Nas escolas, bullys parecem se renovar a cada ano. Finney (Mason Thames), um jovem inteligente mas sem espírito de briga, é uma das vítimas deste cenário. Quando não está arremessando para o time de baseball local ou ajudando colegas com matemática, ele e sua irmã Gwen (Madeleine McGraw) precisam navegar em meio às ameaças (incluindo seu pai alcóolatra, vivido por Jeremy Davies) e lidar com a perda da mãe. Aos poucos, a atmosfera vai se tornando mais espessa. O Sequestrador se aproxima, apresentado como mágico de rua e deixando balões de festa pretos no local dos crimes, representa a decepção desses jovens com os adultos, uma espécie de avatar para Derrickson mostrar a verdadeira face daquela época.


Como mágicos, os adultos oferecem entretenimento através de filmes e promessas de escapatória para o espaço, mas então a ilusão se dissipa e as crianças se veem à deriva. Quem irá protegê-los? Quando a geração anterior se torna até mesmo uma ameaça, como eles irão sobreviver? Derrickson sabiamente constrói uma série de personagens mais jovens porém não menos inteligentes. Eles aprenderam a se defender. Eles precisaram aprender se defender. Nenhum dos adolescentes em O Telefone Preto é incompetente ou irritante. Eles têm atitude, iniciativa e sagacidade. Evitando transformá-los em "mini adultos" sem qualquer traço infantil, o diretor enxerga neles uma casca grossa, fruto das circunstâncias onde crescem. Isso não é Hawkins.


A primeira interação de Finney com o Sequestrador reforça a ideia. Enquanto o personagem de Hawke, sempre mascarado (o design das máscaras é um ponto altíssimo do longa) finge confortar o garoto dizendo para ele não ter medo, Finney o observa não com temor nos olhos, mas fúria. A frustração de uma geração insatisfeita com as promessas falsas. De cara, fica claro como o jogo do criminoso - realizado num porão escuro com um colchão, um banheiro e um telefone desconectado - não funcionará. Não com esse menino.


A maior parte d'O Telefone Preto se passa com Finney preso na casa do Sequestrador estudando maneiras de fugir e tentando sobreviver, enquanto a polícia (e sua irmã, aparentemente dotada de sonhos proféticos) busca por ele. Lá dentro, Finney começa a receber ligações do telefone na parede. Ao atendê-las, o garoto escuta vozes do além e começa a ver coisas dentro deste sombrio quarto, mas as aparições e conversas parecem ter o propósito de ajudá-lo a fugir. Derrickson, um diretor vocal sobre sua fé, aponta para o sobrenatural como alternativa ao mundo caído no qual esses adolescentes vivem, encontrando nos fantasmas e até mesmo em Jesus, quem Gwen acredita ser o autor de seus sonhos, apostas melhores de esperança. Aqui, a carne é mais assustadora.


Se o segundo ato do filme desenvolve os argumentos de Derrickson de forma interessante, ele é também o momento no qual o roteiro começa a titubear. Escrito pelo próprio diretor ao lado de C. Robert Cargill, O Telefone Preto parece precisar de mais uma passagem. Uma tentativa de fuga de Finney no meio da trama parece retirar toda a inteligência do menino sem explicação, e a chegada de James Ransone como Max, o irmão do Sequestrador obcecado por descobrir a identidade do criminoso, adiciona gordura subdesenvolvida ao filme, outrora firme na simplicidade bem-vinda.


A presença de Max teria sido mais interessante se ela servisse para aprofundar mais o Sequestrador. A decisão de Derrickson de não romantizar o assassino é até louvável, mas quando o terceiro ato traz novos elementos para o vilão, o diretor começa a colher coisas nunca plantadas. Hawke, porém, preenche os vazios do papel nos seus poucos minutos em tela. Subutilizado mas eficaz, o ator está sempre atuando primariamente com o corpo e olhos para pintar um quadro sombrio e perturbador.


Mas o destaque do elenco precisa ser a dupla Thames e McGraw. Eles são os melhores dentro de um grupo de atores jovens competentes - Miguel Cazaraz Mora também merece elogios por seu trabalho como amigo e anjo da guarda de Finney - e caminham com precisão na linha tênue entre o amadurecimento forçado pelo ambiente hostil e o olhar ainda inseguro de quem está entrando na adolescência. O rapaz, em particular, nos convence da capacidade do protagonista de encontrar possíveis saídas desse cativeiro, e aqui Derrickson apresenta um cuidado melhor com a composição do enredo, aos poucos dando ao menino ferramentas que, no fim, serão úteis.


Uma das imagens mais marcantes do filme vem em seu epílogo, quando um adulto precisa se ajoelhar diante das crianças para pedir perdão por suas falhas, aparentemente se desculpando em nome de todos os pais falhos da época e nos dando um vislumbre de redenção. O momento, porém, é seguido pela polícia local tomando o crédito por feitos dos menores de idade. A decepção é perpétua.


3.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

0h 0min
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