O Projeto Adam - Crítica do Chippu

O Projeto Adam - Crítica do Chippu

Comédia de ação com Ryan Reynolds é divertida e charmosa, até atirar no próprio pé

Guilherme Jacobs
9 de março de 2022 - 9 min leitura
Crítica

Há um ano, Ryan Reynolds e Shawn Levy construíram Free Guy inteiramente na base de referências e easter eggs. Da linguagem de videogames como um todo até a presença - literal - de armas de Star Wars e Marvel, o filme viveu e morreu pelo familiar. Apesar de ser uma franquia nova, seu DNA era baseado no conhecido. Por outro lado, o novo projeto da dupla, O Projeto Adam, é inteiramente novo. Apesar de apontar na direção de De Volta Para o Futuro e outras histórias de viagem no tempo, este é o raro blockbuster original que não se baseia em algo pré-existente. Isso, por si só, merece louvor, e retrata as vantagens de fazer filmes para a Netflix. Por outro lado, essa aventura sci-fi apresenta todos os sintomas dos lançamentos menos memoráveis da plataforma - bom o suficiente para garantir milhões de plays e ruim o suficiente para parecer um produto de algoritmos.


Em 2050, viagem no tempo é parte do arsenal humano na tentativa de sobreviver a um futuro distópico e, através dessa invenção, Adam (Reynolds) tenta partir para 2018 com o objetivo de encontrar sua esposa, Laura (Zoe Saldaña), que nunca retornou de uma missão. O resgate não é autorizado, mas ele decide roubar um jato e partir da mesma maneira. Na fuga, o veículo é danificado e ele acaba parando em 2022, quando encontra sua versão mais nova. O Adam de 12 anos (Walker Scobell) vive com a mãe (Jennifer Garner), ainda lidando com a recente perda do pai, Louis (Mark Ruffalo). Ele apanha de valentões constantemente, não tem muitos amigos além do cachorro, e usa sarcasmo e piadas para se mostrar aparentemente indiferente às circunstâncias ao seu redor. Juntos, os dois Adams descobrem que a linha do tempo já foi alterada pela suposta inventora da viagem temporal, Maya Sorian (Catherine Keener), e decidem consertar as coisas voltando ainda mais e reencontrando Louis, antigo parceiro de Maya, e impedindo a criação da tecnologia.


Sim, isso imediatamente cria paradoxos complicados e inevitáveis para esse tipo de filme. Mas O Projeto Adam não está muito interessado nessas questões, desviando delas com explicações simples e humor metalinguístico, deixando claro que Levy e o trio de roteiristas Jennifer Flackett, T.S. Nowlin e Jonathan Tropper estão cientes das complicações, eles só não querem se perder nelas. Eventualmente, porém, as perguntas batem na porta dos cineastas, e as respostas não são as melhores.


Antes disso acontecer, O Projeto Adam se torna uma comédia charmosa entre Reynolds e Scobell, com o menino se destacando como a arma secreta do filme. É difícil encontrar atores mirins capazes de comunicar sarcasmo e entregar o tom perfeito de certas falas mais engraçadas, nunca exagerando demais no tom do humor mas sempre dosando a atuação com o tipo de charme visto em estrelas do cinema como, bom, Reynolds. Na verdade, Scobell emula com assustadora precisão seu veterano. Na cadência de alguns dos seus diálogos, nos olhares e expressões faciais, é quase possível enxergar o ator de Deadpool no lugar do garoto. Mas isso não é uma tentativa de reduzir seu trabalho a uma imitação, ele está fazendo exatamente o que lhe foi pedido, e muito bem.


Essa familiaridade de atuação, em grande parte, se deve ao fato de Reynolds estar criando uma persona reconhecível em filmes, para o bem e para mal. Se por um lado O Projeto Adam reforça o carisma natural e irresistível dele como estrela de cinema, por outro, seu Adam é, às vezes, indistinguível de seus personagens em Free Guy, Alerta Vermelho, Hobbs & Shaw e até Deadpool. Na verdade, talvez todos eles se chamem Adam. Como Dwayne Johnson e outros imãs de bilheteria modernos, Reynolds parece incapaz de se transformar nos papéis. Aqui, isso não é exatamente um problema. Adam é exatamente o tipo de herói no qual ele brilha, e há momentos nos quais seu trabalho é ideal para o protagonista, mas há também horas nas quais o personagem desaparece e enxergamos apenas o ator, sempre sorrindo e charmoso, mas com um cansaço perceptível nos olhos, normalmente em momentos de exposição. Aqui estamos nós de novo, explicando conceitos e ideias com uma piscadela para deixá-las mais digeríveis.


Quando, porém, Levy dá a seu astro a chance de flexionar seus músculos (literais ou figurativos), O Projeto Adam diverte e encanta. Boa parte dos rápidos 106 minutos de duração do filme são dedicados aos dois Adam interagindo, encontrando suas semelhanças na maneira como comem cereal e no ainda não resolvido trauma da perda do pai, percebendo as diferenças - um é nerd e indefeso, o outro é musculoso - e rindo nos momentos de conexão. Nessas horas, ambos Reynolds e Scobell brilham, energizando um ao outro e elevando o roteiro simples. O Adam mais velho se arrepende de como tratou a mãe na época, o mais novo quer saber se um dia ele perderá a virgindade, ambos não resistem apontar o quão legal é encontrar uma outra versão de si mesmo através da viagem no tempo.


E então, O Projeto Adam decide complicar as coisas. Há uma história para se contar, e ela envolve invenções científicas, linhas do tempo diferentes, paradoxos e muita, muita exposição. Grandes atores, como Ruffalo e Keener, elevam papéis ingratos com muito talento mas são impedidos por Levy de se tornar mais do que máquinas explicativas. As motivações e medos de seus personagens estão inteiramente atrelados ao bem-querer da trama e de suas necessidades. Garner e Saldaña, semelhantemente, recebem papéis subdesenvolvidos e só sobrevivem graças ao imenso talento demonstrado por ambas nos pequenos minutos nos quais podem ser pessoas.


Esse é o grande problema do filme. Quando o roteiro precisa acelerar, revelar intenções, trazer revelações, O Projeto Adam se perde totalmente. Suas explicações são simples, mas há tanto para explicar que tudo eventualmente se torna uma massa confusa de palavras e frases; Uma que a audiência provavelmente vai ignorar enquanto escolhe prestar atenção nos atores engraçados. O roteiro até tem ideias dignas de atenção, mas estas conseguem ser, simultaneamente, complicadas e rasas demais para realmente se destacar, e acima de tudo servem como coleira para o verdadeiro potencial do filme - seus personagens principais.


Tal contraste é de coçar a cabeça. O próprio Projeto Adam diz, em certos diálogos, estar desinteressado nos pormenores da trama principal, com Reynolds e Ruffalo se recusando a engajar com esses detalhes ao debochar das supostas regras de viagem no tempo. Durante metade do tempo, Levy dirige saindo do caminho dos atores, priorizando cenas em ambientes menores, com mais closes, e execução simples. Mas quando ele se vê refém, precisando construir um final digno de blockbuster de ação com telas verdes e efeitos especiais, revirando a narrativa quase por obrigação, ele acaba atirando no próprio pé.


Há uma versão menor de O Projeto Adam, talvez como um filme independente mais focado no amadurecimento de um garoto e de um homem-garoto que são a mesma pessoa ao se encontrarem numa viagem no tempo. Esse, porém, não é o filme da Netflix.


2.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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