O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface - Crítica do Chippu

O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface - Crítica do Chippu

Apesar de imagens macabras e divertidas, roteiro impede o filme de alcançar o legado do original

Guilherme Jacobs
18 de fevereiro de 2022 - 9 min leitura
Crítica

Com diversas franquias de terror - Pânico e Halloween para citar exemplos - retornado para “sequências de legado”, continuações mais ligadas com o original e ignorando outros filmes feitos depois, era questão de tempo até O Massacre da Serra-Elétrica receber o mesmíssimo tratamento, trazendo com si um grande desafio para o diretor David Blue Garcia, responsável por trazer à vida a história de Fede Álvarez e Rodo Sayagues, e roteiro de Chris Thomas Devlin em O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface. Assim como muitos clássicos do gênero originados nos anos 60 e 70, a obra-prima macabra de Tobe Hooper em 1974 tinha um quê de amador, de documentário, de fita perdida. Um aspecto real na mais absurda das circunstâncias. Talvez Leatherface existisse mesmo. Mas como explicar isso?


É impossível. O horror visual e narrativo no filme de 74, aliado de sua produção simples e quase invisível, construindo a trama na isolada e praticamente abandonada cidade texana de Harlow, criavam uma atmosfera agressiva, como se estivéssemos vendo algo proibido. Nem mesmo os contemporâneos O Exorcista ou Halloween tinham algo tão horroroso quanto à inesquecível cena do jantar. As mentes das audiências, então, precisavam equilibrar o inexplicável com a certeza imponente vinda de ver o espetáculo sangrento de Hooper: aquilo podia acontecer com você. Agora, em 2022, quando a internet nos mostra absurdos, reais e falsos, constantemente, quando não parece haver mais mistério, Leatherface pode, ainda, assustar?


Em O Retorno, disponível hoje na Netflix, Garcia, Álvarez, Sayagues e Devlin apresentam uma resposta à altura com uma abordagem acelerada em 88 gloriosos minutos de mutilação, morte, terror e niilismo, reencontrando o espírito simplista e brutal do original como poucas continuações modernas conseguem. O trio, porém, não resiste à tentação de explicar demais, de procurar justificativas desnecessárias para personagens, e termina preso numa narrativa de trauma cansativa e preguiçosa.


Se passando no século 21 na mesma Harlow, o novo Massacre vê dois chefs zoomers - Dante (Jacob Latimore) e Melody (Sarah Yakin), partindo para a cidadezinha acompanhados de Ruth (Nell Hudson), noiva de Dante, e Lila (Elsie Fisher), irmã de Melody. A dupla vai abrir um restaurante moderno lá, e prepara ao lado de um banco um evento para investidores no centro abandonado de Harlow com o intuito de criar, no meio do nada, um paraíso para Tiktokers e influencers. Mal sabem eles que seu barulho acordou o mal adormecido no local, e depois de um encontro infeliz com uma idosa moribunda, o grupo descobre ter cutucado o vespeiro, de onde Leatherface sai.


A ideia de Leatherface massacrando pessoas cuja maior preocupação é o número de likes e seguidores é instantaneamente divertida, e Garcia aproveita ao máximo o potencial sangrento dessa premissa entregando inúmeras mortes impetuosamente criativas, partindo membros, abrindo crânios e derramando sangue com uma farta diversidade de execuções, especialmente quando o vilão utiliza sua icônica serra. Por não ter nada tão digno de pesadelos como no original, e por ser incapaz de reproduzir aquela natureza veritae, afinal essa é a era de câmeras 4K e televisões de 80 polegadas, a violência se torna a principal arma do novo Massacre na busca não pela completa sensação de desespero, mas em criar imagens memoráveis. Garcia usa a fisicalidade, o visual horroroso e os sons quase sobrenaturais de Leatherace para compor sequências incríveis.


Além do apelo comicamente maligno dessa proposta, ela também é uma maneira inteligente de atualizar e continuar a premissa original, na qual o fim de um Estados Unidos mecânico era anunciado pelo avanço tecnológico, a substituição de marretas por pistolas de ar no matadouro, e o tratamento de humanos como se fossem vacas. Sua carne, alimento. Sua pele, couro para roupas e decoração. Aqui, mais um Estados Unidos chega ao fim, com a chegada de forasteiros digitais ao interior, dos usuários de celulares à terra dos cowboys ainda armados, trazendo uma vida nova - porém fria e indiferente - à comunidade morta do século 20. O contraste é ainda maior ao colocar Lila, nossa principal protagonista, ao lado do mecânico Richter (Moe Dunford). Ela, sobrevivente de um tiroteio escolar, e ele dono de um rifle automático AR-15. Garcia e equipe, felizmente, não tentam tecer comentários políticos complexos, típicos do “pós-terror” presente em inúmeras obras do cinema moderno. Nelas, esse tipo de abordagem não é só bem-vinda, como é necessária, mas Massacre da Serra Elétrica deve ser simples, direto ao ponto, e usar essas diferenças como maneira de transportar a audiência para uma terra alienígena na qual as plantações e habitantes parecem vir de uma dimensão perturbadora. O Retorno de Leatherface evita esses tropeços. Por isso, sua eventual queda na narrativa traumática é tão frustrante, revelando a incapacidade do roteiro de acompanhar as imagens de horror.


Lila frequentemente tem flashbacks do tiroteio em sua escola, relembrando como era estar no chão ao lado de corpos mortos. A decisão é um desserviço à própria personagem, já interessante e cativante por si mesma e pelo bom trabalho de Fisher, que quando não é feita refém pelo roteiro se mostra a mais versátil e equilibrada estrela do elenco, e uma tentativa forçada de conectá-la com Sally Hardesty, única sobrevivente do massacre original, aqui mais velha e vivida por Olwen Fouéré. Assim como Sidney Prescott e Laurie Strode em suas respectivas histórias, Sally retorna mais velha, violenta e armada na busca por vingança contra Leatherface. A presença da antiga protagonista aqui, porém, não cresce além de uma cameo estendida, especialmente ao servir, apenas, para reforçar o abraço inescapável do trauma na vida de Lila e na mensagem maior do filme. Ela, também, é definida apenas pelo que sofreu. Sua personalidade; Suas decisões; Suas falas. Tudo se resume ao assombro do massacre de 1974, e nenhuma tentativa de entrar mais afundo da psique da personagem é feita. Ela é descartável, e é tratada como tal.


O novo Massacre da Serra-Elétrica até busca confrontar essa questão no fim, incentivando personagens a desafiar e encarar o trauma numa mensagem inesperada para o clima niilista do filme, oferecendo para a audiência um pingo de esperança no meio de tanta morte. A decisão tira um pouco da energia, do golpe final, mas Garcia e equipe conseguem recuperar a tempo de um encerramento chocante e digno de uma figura temível e cruel como Leatherface, concluindo com um corte para os créditos que tenta emular a conclusão brusca do original. Não é a mesma coisa, mas a tentativa ainda é admirável.


Apesar de seguir a fórmula tradicional das sequências de legado de Hollywood (algo que você conhece + algo que você conhece, mas de forma diferente + algo novo), O Retorno de Leatherface tem gás o suficiente em sua serra-elétrica para empolgar as audiências fãs do gênero. Falta a opressão, o sufoco, o senso de ar poluído do original, e as tentativas constantes de aprofundar os personagens no caminho óbvio de um passado traumático são distrações infelizes, mas quando o Massacre realmente está em cena, ele deixa traços em sua pele. Manchas de sangue por todo lado.


2.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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