O Homem do Norte - Crítica do Chippu

O Homem do Norte - Crítica do Chippu

Robert Eggers constrói um espetáculo brutal e violento de poesia nórdica com excelentes Alexander Skarsgard e Anya Taylor-Joy

Guilherme Jacobs
11 de maio de 2022 - 8 min leitura
Crítica

Alguns filmes, perdoem a expressão, chutam bundas. Mais do que sair deles pensando em suas qualidades e conquistas, saímos com um sentimento de que aquele filme não só saiu vencendo, de que ele nos venceu de lavada, exibindo seus feitos gloriosos e não deixando espaço para dúvidas. A vitória é completa. O Homem do Norte chuta bundas.


O mais ambicioso projeto de Robert Eggers (O Farol, A Bruxa) até aqui, e seu primeiro com um estúdio grande de Hollywood, O Homem do Norte é uma clássica história de vingança. O rei corvo, Aurvandil (Ethan Hawke), pai de Amleth (Oscar Novak), foi morto por seu irmão bastardo Fjölnir (Claes Bang). Ele também levou a mãe do garoto, rainha Gudrún (Nicole Kidman) como sua esposa e matou o bobo da corte, Heimir (Willem Dafoe), um amigo da família. Anos se passam. Amleth, agora adulto, deve partir em busca de vingança. Uma bruxa (Björk) mostra o caminho. Ele irá para o norte, encontrará uma espada, e fará uma escolha difícil entre sua vendeta pessoal e a segurança dos seus amados.


Amleth, interpretado como adulto de maneira bestial por um enorme Alexander Skarsgard, tem uma gigantesca sede de vingança que só não é maior que seu trapézio. Sua postura é a de um corcunda, como se os músculos dos ombros e costas não deixassem mais espaço para uma postura de um humano. Ele está no processo de se transformar num lobo ou urso, os quadrúpedes que imita ao uivar e gritar antes de uma batalha, e Skarsgard, numa atuação diretamente oposta ao seu excelente trabalho na temporada mais recente de Succession, abraça as características animalescas do guerreiro em seu andar e lutar. A raiva está estourando as costuras construídas para contê-la, quebrando as correntes. Em suas poucas palavras, ele deixa claro o tamanho da fúria e ódio dos quais se abastece. Mas é no olhar, normalmente reservado para mulheres e crianças neste mundo de brutalidade masculina, que ele se revela. Há ainda, por baixo do sangue e braços hipertrofiados, um garoto machucado.


Eggers filma a previsível, mas grandiosa, jornada de Amleth de maneira semelhante aos seus trabalhos anteriores. A ida à Universal parece tê-lo marcado, já que o próprio manifestou o desejo de não trabalhar mais com grandes estúdios, mas não apagou de forma alguma sua assinatura. A direção, novamente dividindo a tela em quadrantes, enriquece a narrativa ao posicionar os elementos de maneira significativa em suas composições. Repetidamente, ele coloca personagens em foco ao centralizá-los. Se duas pessoas estão em oposição, elas ocupam os lados do enquadramento enquanto se encaram. A traição de Fjölnir é primeiro sugerida quando ele quebra as linhas de visão e anda na direção oposta a Aurvandil, cruzando horizontalmente a tela numa sequência repleta de verticais.


Fjölnir, apesar de traidor, também é o caminho encontrado por Eggers para enfatizar os temas de futilidade e complexidade na vingança. Em outro universo, ele era o protagonista do filme, sofrendo o pesadelo de ter esse monstro feral perseguindo sua família e sua vida para saciar um desejo infernal. Repetidas vezes, Fjölnir aponta para Amleth como o mal. Semelhantemente, Amleth adota a perspectiva sombria e maldosa de sua viagem sem hesitação. Em determinado momento, ele diz estar num pesadelo e é confortado por uma personagem com uma possível saída deste sonho horrível. O pesadelo, ele explica, não é dele. Ele é o bicho-papão. Assim, Eggers preenche as sequências mais horripilantes e impressionantes de O Homem do Norte com iguais doses de empolgação e questionamento.


Jarin Blaschke, seu preferido diretor de fotografia, é o maior aliado do cineasta na criação destas cenas. Seja nas batalhas representadas com fidelidade violenta ou nos elementos de fantasia nórdica, aplicados por Eggers como tempero mitológico, O Homem do Norte cria imagens cuja natureza parece ser o resultado natural de adaptar os épicos poemas de Odin e seus companheiros divinos para imagens e sons. O roteiro, afinal, foi escrito por Eggers junto com Sjón, poeta e dramaturgo islandês. A trilha sonora de Robin Carolan e Sebastian Gainsborough se anuncia repetidamente com tambores e gritos de guerra vindos, semelhante a atuação de Skarsgard, do local mais interior e selvagem da alma humana, dando percussão e ritmo à montagem de Louise Ford, com seus cortes frios, brutais e precisos. Dignos de uma espada viking amaldiçoada.


Tal atitude é compartilhada pelo elenco talentosíssimo do filme. Hawke, Bang e Dafoe interpretam seus personagens dando a cada sílaba o maior peso possível, tratando cada fala como um discurso a ser recitado com a mais alta reverência, atuando com melodias de um passado antecedendo até Shakespeare ao tentar evocar o sentimento dos escritores anônimos que um dia eternizaram as lendas de vikings, deuses nórdicos e valquírias. A exceção é Kidman, que está um tom a mais para o lado que seus colegas. O destaque, porém, precisa ir para Anya Taylor-Joy. Uma vez a musa de Eggers em A Bruxa, ela faz, aqui, seu melhor trabalho desde aquele terror anglo-saxão.


Taylor-Joy interpreta Olga, uma escrava que cruza o caminho de Amleth e apresenta para o protagonista a possibilidade de um caminho além da vingança. A atriz, com sua beleza simultaneamente à frente do tempo viking mas perfeita para as terras estrangeiras e misteriosas vistas neste conto, é a arma secreta de Eggers em O Homem do Norte. Sensual, assustadora e irresistível, Taylor-Joy é celebrada pelo diretor, que sabe usar as linhas de seu rosto singular e o infinito dos seus grandes olhos para evocar em Amleth, e na audiência, um misto de atração e temor, e mais tarde paixão e drama. A atriz ataca cada cena com dentes famintos, dominando o quadro como se o abraçasse com o corpo e seduzisse com o intelecto sagaz de uma personagem cujo olhar contém multidões.


Nessas atuações e em tudo mais, O Homem do Norte mostra Eggers se mantendo fiel à natureza de fábulas presentes em seus últimos dois filmes. Menos prosa e mais poesia, seus trabalhos derivam sentimentos do contraste. O diretor povoa a tela com atores de maneira quase teatral, encontrando o lugar perfeito de cada um na composição das cenas, mas aliado a este olhar elaborado que vê a tela como palco está uma persistência em nos imergir - ou melhor, nos empurrar sem muita educação - nestes mundos. A beleza artística da direção é contraposta pela coragem e audácia do diretor em não cortar para longe nos momentos mais brutais. Olhe para a tela e veja os artistas perfeitamente posicionados num cenário impecável. Agora, assista enquanto eles morrem.


4.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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