O Brutalista: Épico de Brady Corbet flutua entre majestoso e frustrante
Leia nossa crítica do longa de Brady Corbet com Adrien Brody
Crítica
A arquitetura brutalista é vista por seus defensores como de algo voltado para sua funcionalidade e seus habitantes, graças ao minimalismo do design e uso de materiais mais, bom, brutos. Críticos, por outro lado, associam essa linha de design com coisas frias, sem alma e ao totalitarismo, em parte devido a como a escola se tornou inseparável da antiga União Soviética aos olhos ocidentais. Quanto disso está na arte em si? No concreto exposto nos prédios, nas linhas duras do desenho? E quanto vem da bagagem cultural do mundo capitalista pós-Segunda Guerra? Essas são algumas das questões levantadas em O Brutalista. Com três horas e meia de duração e filmado em VistaVision 35mm, o filme de Brady Corbet articula as respostas com graus variados de sucesso.
Seus debates sobre arte, indústria e identidade começam com chegada do arquiteto húngaro, judeu e fictício László Toth (Adrien Brody) nas praias estadunidenses em busca de santuário enquanto a Europa lida com o nazismo. Numa cena que propositalmente trará à mente a sequência em Ellis Island no começo de O Poderoso Chefão Parte II, Corbet flexiona seus músculos cinematográficos, girando e circulando sua câmera enquanto nos leva do porão de um navio escuro em direção o céu aberto (um quadro em branco, assim por dizer) onde a Estátua da Liberdade paira de cabeça para baixo – a primeira de algumas metáforas nada sutis sobre a América e seus imigrantes.
Brutalismo, porém, não é sobre sutileza, e em seus melhores planos, Cobert comunica bem a grandeza e a escala apropriadas para um filme frequentemente magnífico, mas infelizmente frustrante. O momento é um estrondo cujo eco se mostra indispensável para nos carregar durante a primeira parte do longa. A trilha faustosa de Daniel Blumberg e a atuação crua de Brody imediatamente se revelam como os fios condutores do filme, que rapidamente leva o arquiteto dos becos de Nova York aos arredores da Filadélfia, onde mora seu primo Atilla (Alessandro Nivola), agora casado com uma shiksa, convertido (por conveniência) ao catolicismo e rebatizado como Miller. “Você está sempre vendendo algo”, Toth observa, ao entender o grau de entrega do seu primo ao oportunismo.
Trabalhando ali, os dois são encarregados por um herdeiro (Joe Alwyn, insistente em interpretar apenas babacas) de reformar a biblioteca da mansão de seu pai, um processo que revela o cuidado de Cobert e do diretor de fotografia Lol Crawley no registro de formas e texturas, essenciais para entendermos a beleza das criações de Toth. Novamente, Cobert nos leva ao ápice de seu filme. Esse banquete visual, porém, termina com a amarga sobremesa da chegada inesperada do proprietário. Furioso com a surpresa, Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), expulsa os primos do local. Quando fica claro que eles não receberão um tostão, Atilla demite Toth sem cerimônias e fecha a porta para ele, literal e emocionalmente. Essa não será a última vez que László é aceito ou rejeitado com base em margens de lucro.
Harrison, interpretado por Pearce como um pateta rico o suficiente para se convencer do contrário, é o principal responsável por esse vai-e-vem, já que alguns anos após expulsar László Toth de sua casa, o magnata descobre o currículo do arquiteto e parte atrás dele em busca primeiro de amizade, e então de serviço. Sua proposta é construir um centro cultural em homenagem à sua falecida mãe, mas seu objetivo parece ser o de possuir um monumento ao seu próprio nome. Na relação entre os dois, Cobert e a roteirista Mona Fastvold encontram o meio perfeito para disseminar as ideias de capitalismo e aproriação de O Brutalista, assim como o espaço ideal para inserir uma dose bem-vinda de humor. O filme de Cobert nunca deixa de ser pretensioso, mas sua capacidade de rir (tipicamente às custas de Pearce) do suposto intelectualismo dos debates de Toth e Van Buren nos impede de rir do suposto intelectualismo do longa em si. Cobert sabe que tipo de filme ele está fazendo, e corretamente identifica a necessidade de oferecer um escape.
A segunda parte de O Brutalista se preocupa tanto com a construção da obra e seus vários impedimentos, quanto com a chegada de Erzsébet (Felicity Jones), a esposa de László, aos EUA depois de anos lutando para fugir da Europa junto de sua sobrinha, Zsófia (Raffey Cassidy). Em ambos núcleos, Cobert e Fastvold revelam as limitações de seu roteiro. Visualmente, O Brutalista segue capaz de colocar em tela uma imagem marcante, e o cuidado de Cobert em sempre enquadrar seus personagens na geometria das portas e janelas aos seu redor nos força a considerar constantemente o efeito da arquitetura, e por tabela da arte, em pautar a existência deles. Na escrita, porém, esse tipo de nuance e riqueza logo se esgota.
Apesar dos esforços nobres de Jones, que sofre para lidar com o sotaque mas se mostra disposta a encarar emoções intensas, Erzsébet jamais é elevada do papel de uma esposa circulando a órbita de seu genial, mas assombrado marido. Isso culmina numa cena em que ela sente na pele as consequências do vício em heroína que László desenvolveu ao cruzar o oceano, uma metáfora óbvia para os riscos que suas compulsões profissionais representam para ele. O paralelo buscado na droga representa bem os tropeços de Cobert. Além de sublinhar algo já evidente no subtexto do longa (e ainda mais na humanidade palpável do olhar quebrado do excelente Brody, sempre nos oferece um ponto de entrada para a realidade emocional de Toth), isso levanta contextos culturais que o filme não está apto (ou empenhado) a encarar, especialmente quando vemos que László divide a dependência com um amigo negro (Isaach De Bankolé).
O agravante maior vem no momento em que a violência praticada por Harrison contra László – o americano não para de desvirtuar a intenção do arquiteto e se apropria do gênio como algo exótico para exibir aos colegas brancos, desde que o custo para fazê-lo não seja alto demais – é externalizada com um ato repugnante. Novamente, pedir por sutileza num épico que usa o ato da construção para falar sobre nações e seus povos é ingenuidade, mas o clímax do relacionamento entre os dois homens deixa clara as falhas do roteiro, que parecem vir da falta de confiança de Cobert na sua capacidade de comunicar temas claríssimos. Inseguro, o diretor opta pelo choque vazio.
Brutalismo pode não ter bases graciosas, mas é um estilo que reconhece o valor do minimalismo. Outrora imponentes e imaculadas, as superfícies de O Brutalista são manchadas por essas decisões opulentas, assim como por pontas inacabadas, em particular a indisposição de Cobert de explorar a fundo a tensão sobre a criação de Israel que surge quando Zsófia decide se mudar pra lá. A cena em que a garota declara sua vontade deixa implícito o desprezo da sobrinha pelo quão “pouco judeus” seus tios viraram em terras norte-americanas, mas o cineasta para por aí. Alguns serão rápidos em dispensar o filme como sionista, mas a verdade é que o diretor parece apenas temeroso de encarar a polêmica.
Se há alguma tentativa, ela vem no epílogo que entrega de forma didática as motivações pessoais de por trás das obras de László, adicionando um ponto final irônico na transformação do arquiteto cheio de caridade num vendedor sem voz. “Eu não sou quem eu esperava,” Toth proclama em determinado momento. O maior feito de O Brutalista vem na identificação de como essa quebra entre expectativa e realidade acontece, e quem a causa, ou o que. Como dinheiro, poderosos, guerra e preconceito conseguem retirar da arte e das pessoas a sua alma. Talvez esse seja o melhor argumento a favor do brutalismo. Na majestade temível do concreto, essas construções resistem à erosão do tempo e da ganância.
Exibido na Mostra de SP, O Brutalista estreia em 2 de fevereiro de 2025 no Brasil.