
Sundance: Julia Louis-Dreyfus e Tobias Menzies são puro charme no prazeroso e maduro You Hurt My Feelings
Nicole Holofcener dirige e escreve com confiança um drama adulto cheio de risadas

Crítica
FESTIVAL DE SUNDANCE: Você não vai conseguir parar de sorrir enquanto assiste a You Hurt My Feelings, o novo filme de Nicole Holofcener, diretora de À Procura do Amor e roteirista de O Último Duelo, entre tantos outros. Seja pelo charme exalado por cada membro do elenco encabeçado por Julia Louis-Dreyfus e Tobias Menzies, pela maturidade do texto de Holofcener em relação aos temas centrais, por causa graça exibida pela diretora exibe para lidar com os obstáculos encarados pelos personagens sem nunca trair suas construções, ou simplesmente pelo quão legal morar e trabalhar em Nova York parece ser aqui.
Louis-Dreyfus interpreta Beth, uma escritora cuja autobiografia alcançou sucesso e lhe deu a oportunidade de tentar publicar seu segundo livro, agora uma ficção. Quando sua agente se mostra desinteressada na história, ela começa a sentir dúvidas sobre o trabalho, e essas são intensificadas quando ouve, por acaso, seu marido Don (Menzies) confessando ter achado o material fraco. Diante da esposa, Don, um terapeuta profissional, nunca havia dito nada negativo sobre a obra, e essa pequena mentira joga um pouco de terra no casamento outrora perfeito dos dois. Enquanto isso, eles precisam lidar com o retorno do filho, Eliot (Owen Teague) para casa depois de um término.
A história de You Hurt My Feelings é basicamente isso, com a adição de Michaela Watkins como a irmã de Beth, Sarah, uma designer de interior; do sempre agradável Arian Moyaed no papel de seu marido, o ator frustrado Mark; e como mãe das irmãs, da genuinamente hilária Jeannie Berlin. A magia do filme, porém, não está em reviravoltas ou encontros definidores. Na verdade, quando o roteiro de Holofcener abre exceções para choques ou surpresas, é quando as coisas saem levemente dos trilhos. O prazer desse longa-metragem encontra-se em como a diretora estabelece figuras tão imediatamente convidativas com personalidades variadas, mas igualmente cativantes por todo canto, sem nunca desviar-se disso quando o drama precisa acontecer.
Lendo a sinopse, a mentira de Don pode parecer como algo gigante dentro do filme. O primeiro dominó numa série de descobertas cujo destino final é uma crise quase irreparável na relação dos dois, cuja união já dura décadas de fidelidade, paixão e química. Esse é, na verdade, o incidente através do qual Holofcener captura nossa atenção para trabalhar seus reais interesses — como mentirinhas inofensivas podem criar cicatrizes com o passar dos anos, mas mais ainda, como elas podem nos impedir de encarar com olhar honesto, por exemplo, nosso relacionamento com o que fazemos. Beth, descobrimos, não é a única passando por um despertar em relação à sua profissão.
Don está repensando sua carreira como terapeuta depois de ouvir um de seus pacientes (Zach Cherry, de Ruptura, um dos vários rostos familiares no elenco coadjuvante) remotos criticá-lo segundos antes de encerrar a chamada do Zoom. Enquanto isso, um casal que ele atende há dois anos não parece sair do lugar, e estão começando a culpá-lo por isso. Mark passa pela sua demissão mais brutal, Sarah não consegue ver mais alegria no design, e Eliot está travado com sua própria escrita.
Holofcener desenvolve cada um desses dilemas e arcos de maneira orgânica e madura. Sem jamais recorrer ao melodrama, a diretora trata cada adulto exatamente como, bom, um adulto. Tal abordagem, aparentemente simples e óbvia, se torna mais e mais bem-vinda com o andar da narrativa.
É surpreendentemente refrescante ver Beth e Don discutindo sem nunca duvidar do seu amor um pelo outro, da segurança do casamento, com diálogos nos quais, ainda que com alguma dificuldade, eles expõem seus sentimentos e razões com paciência e um ouvido voltado para seu parceiro. Os eventos do enredo de You Hurt My Feelings, em mãos menos confiantes, seriam um grande novelão implorando por reações emocionais, mas aqui temos algo muito mais seguro de si.
Auxiliando a cineasta nisso estão as atuações de Lous-Dreyfus e Menzies. Ambos são fantásticos em tela, misturando doses ideais da energia de um casal cujo amor é levemente constrangedor para quem observa, e da energia que faz todos nós gritarmos “por favor, sejam meus pais!” quando os observamos. Louis-Dreyfus usa seu timing cômico de forma sútil mas precisa para nos desarmar e entregar momentos genuinamente comoventes. Já Menzies parece atuar sem esforço, magnético ao ponto de querermos permanecer com ele antes de cada corte. Felizmente, Watkins, Moyaed, Berlin e (numa medida menor) Teague estão lá para continuar as boas vibes quando tomam o holofote.
Em todos os casos, o conflito nunca se torna muito grandioso. Por isso, uma ou outra cena, quando Holofcener julga ser necessário introduzir algum evento mais intenso para acelerar as mudanças, parece ter vindo de outro filme. Neste, cada um chega à resposta para suas dúvidas em relação à carreira de forma natural, através de caminhos diversos e em momentos distintos. Afinal, não é assim com a vida? You Hurt My Feelings nunca perde de vista a importância de deixar claro como seus protagonistas têm vidas próprias, cada uma andando em seu ritmo. Elas se cruzam e são independentes em diferentes graus, e as ligações não desfazem o sucesso individual de cada linha narrativa, ou tampouco transformam os sucessos pessoais em degraus no caminho para um alvo maior em nome de uma “lição.”. Tudo existe em sintonia.
Nicole Holofcener faz isso colocando boas falas nas mãos de bons atores, prendendo nosso olhar através de uma direção simples, mas precisa, e deixando tudo isso respirar ciente da qualidade de todas as peças do mosaico. Ela tem mais do que o suficiente para tornar as vidas desses personagens e seus crescimentos em um grande deleite, e é profundamente satisfatório acompanhá-la consumando esse potencial.
4/5

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