
Sundance: David Strathairn é vulnerável e verdadeiro no comedido A Little Prayer
Strathairn e Jane Levy entregam algumas das melhores atuações do festival no filme de Angus MacLachlan

Crítica
FESTIVAL DE SUNDANCE: O principal personagem de A Little Prayer, a aprazível mas perfurante dramédia de Angus MacLachlan, é sua figura menos ativa. Os principais acontecimentos de sua história acontecem longe da presença de Bill (David Strathairn), o diretor de um centro de apoio a veteranos numa pacata mas calorosa cidade da Carolina do Norte, onde mora e trabalha com sua família. Um dia, no escritório, ele percebe seu filho David (Will Pullen), um homem casado e aparentemente responsável, conversando com a colega Narcedalia (Dascha Polanco, de Orange is the New Black) com aparentes segundas intenções, e isso lhe preocupa. Bill não sabe, mas essa será a primeira descoberta avassaladora dos seus próximos dias.
Um leve mas genuino olhar sobre como um homem de boa índole reage ao descobrir o quão longe seu fruto caiu da árvore, A Little Prayer pega o roteiro previsível do próprio MacLachlan e dedica-se a explorar cada interação, cada relacionamento, cada drama e conversa com a visão mais honesta possível, dependendo de um elenco profundamente carismático para trazer à vida segredos que já deixaram de ser inofensivo há muitos tempos e testar seus personagens quando estes são expostos à luz do dia. Este processo, o filme faz com tremendo tato e leveza, sem explorar ou maltratar suas figuras gratuitamente, e o cuidado eventualmente nos leva ao ponto de desejarmos até sentir a ponta da faca girando um pouco mais em nosso coração.
David, claro, está traindo sua esposa Tammy (uma tocante Jane Levy) com Narcedalia. Não demora muito para Bill confirmar essa informação com outros empregados do centro e até com o próprio filho, interpretado por Pullen com o nervosismo de um cidadão bem prestes a ceder aos seus impulsos mais sombrios. O drama entre pai e filho atinge situações muito dramáticas, mas McLachlan usa essa abordagem mais sutil para deixar as cenas entre os dois atores mais reais e marcantes, com Bill precisando levantar o assunto uma, duas e até três vezes até ver a máscara de seu herdeiro mais velho e, supostamente equilibrado — especialmente comparado com a bagunçada Patti (uma divertida mas pouco aproveitada Anna Camp), que eventualmente chega para visitar com sua filha, mas sem o marido viciado em apostas.
Integridade, perceberemos, pouco tem a ver com aparências, e o grande feito de A Little Prayer é colocar BIll constantemente diante de novos desafios éticos. Mais velha guarda, ele se sente empurrado a intervir na situação quando percebe a gravidade da situação — Bill não só está num relacionamento com Narcedalia, como também é violento com ela — mas reprimido pelo conservadorismo de não poder interferir na vida de outros adultos, ainda que eles vivam em sua casa. Strathairn atua com vulnerabilidade durante todo esse tempo, expressando o quão dividido Bill está por essas duas forças ao ponto de tornar ambos caminhos inteiramente críveis.
Se, em certa cena, ele escolhesse intervir, a decisão seria bem pautada. Se continuasse a se abster, também aceitaríamos. Eventualmente, um dos lados vence, e A Little Prayer sabiamente se apoia no sentimento poderoso de fazer descobertas ruins.
Mas se Strathairn forma um dos núcleos de A Little Prayer, Levy é a dona do outro. O filme abre e fecha com eles juntos num diálogo honesto, o primeiro mais leve e cômico, e o último devastador de várias maneiras. Entre os dois, ela segue sua própria jornada e, percebemos, não é uma boba ignorante aos comportamentos do marido. Uma cena dura numa clínica de aborto sublinha a situação de Tammy com um tom doloroso, mas são momentos mais quietos, muitas vezes inteiramente sem palavras, que nos comunicam a dimensão de suas feridas interiores.
Assim, Bill e Tammy são levados à escolha decisiva de A Little Prayer, precisando arcar com as consequências do conhecimento das falhas daqueles que eles amam e tomar uma rota que, até pouco tempo antes, seria impensável. A energia dramática dessa cena é poderosa, e estampa claramente os dilemas movendo o enredo do longa de uma forma até então inédita para MacLachan. De fato, sua postura talvez tenha sido contida demais, especialmente considerando a emoção exibida por Strathairn e Levy no seu encontro climático.
Strathairn, em particular, obtém um raro holofote com A Little Prayer. Conhecido por seus vários papéis coadjuvantes, ele encerra uma de suas mais completas atuações até hoje com um discurso que, nas mãos de alguém menos preciso com seu controle e entonação, soaria com uma tentativa barata de garantir prêmios. Aqui, ele acompanha o filme ao seu redor, e é verdadeiro.
3.5/5

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