Era Uma Vez Um Sonho - Crítica do Chippu

Era Uma Vez Um Sonho - Crítica do Chippu

Uma história comovente à primeira vista vira um Oscar-bait vazio

Guilherme Jacobs
24 de novembro de 2020 - 5 min leitura
Crítica

Você sabe quando um filme foi feito para atrair os jurados de premiações. Há uma checklist com coisas como "baseado numa inspiradora história real" ou a presença de adjetivos semelhantes a "apolítico" que normalmente acompanham esses tipos de produções, e este é o caso de Era Uma Vez um Sonho, longa que adapta a autobiografia de mesmo nome (Hillbilly Elegy, em inglês) escrita por J.D. Vance.


Vance cresceu no interior dos EUA numa típica família da região e seu livro, lançado em 2016, gerou uma enorme onda de discussões e polêmicas. Muitos apontaram para a obra como o caminho para entender o suporte daquela gente ao então presidente eleito do país, Donald Trump, já que o autor apresentava em suas palavras as frustrações e sentimento de abandono que se encontravam nas ruas e casas onde cresceu. Outros argumentavam que ele apenas apontava dedos enquanto não encarava sua própria posição na sociedade, como alguém que ajudou a lançar um fundo de capital de risco e agora estava cada vez mais distante da realidade de onde veio.


De qualquer forma, não adianta debater nada disso quando falarmos da adaptação dirigida por Ron Howard (Rush, Apollo 13) e escrita por Vanessa Taylor (A Forma da Água). Qualquer ideia política, debate ou argumentação foi removida dessa versão da história com o propósito de fazer um novo Green Book - um filme que vai ofender a menor quantidade de pessoas possíveis e usar truques já conhecidos para comover a audiência.


O filme contrasta a tentativa do Vance adulto (Gabriel Basso) de conseguir um emprego numa firma de direito enquanto estuda na prestigiosa universidade de Yale com as lembranças de sua dura adolescência, vista através da atuação de Owen Asztalos. As memórias da vida, com destaque para seu relacionamento com a avó, Mamaw (Glenn Cose), nas cidades pequenas voltam à Vance quando ele tem que retornar à sua casa para tentar ajudar a mãe, Bev (Amy Adams) que sofreu overdose de heroína.


E então Era Uma Vez um Sonho entra numa série de dramas esperados. O filme pede que simpatizemos com personagens por causa de suas circunstâncias sem nunca se preocupar em torná-los mais profundos do que uma série de estereótipos clichês. Em nenhum caso isso é mais presente do que na personagem de Adams, uma péssima mãe cujas ações que colocam a vida dos filhos em risco são justificadas com um flashback rápido, sem nenhuma tentativa de desenvolver mais a fundo os conflitos internos que ela vive. Adams não ajuda o caso com sua atuação, que sempre está ligada no 220v como se fosse impossível entender emoções sem que elas sejam demonstradas da maneira mais externa e exagerada possível. É uma escolha inesperada vinda de uma atriz tão talentosa.


Close vai na contramão e é a melhor parte do filme. Ela sabiamente abaixa o tom de sua personagem em diversas ocasiões para que quando a explosão vier, ela realmente tenha um impacto. As melhores partes do filme vêm em seu último terço quando temos mais cenas entre ela e Vance adolescente. Asztalos mostra um grande alcance emocional e não tem medo de mostrar a vulnerabilidade ou confusão do personagem, algo que Basso falha em comunicar com a versão adulta. Ele simplesmente não está à altura das emoções que devia expressar.

Howard é um daqueles diretores que precisa de um bom roteiro, e a história entregue por Taylor aqui certamente não se encaixa nisso. Como resultado, temos algo genérico e sem identidade. Muitas pessoas vão se emocionar com esse filme, e será decepcionante se num ano de tantas produções de qualidade (Os 7 de Chicago, Destacamento Blood), a Netflix alcance o Oscar através de um dos piores lançamentos do ano.


Nota: 1.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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