
Cry Macho: O Caminho Para Redenção - Crítica do Chippu
Clint Eastwood só quer viver em tranquilidade

Crítica
Depois de dirigir mais de 40 filmes em meio século e de 60 anos como ícone do cinema de faroeste, Clint Eastwood só quer ficar tranquilo. Cry Macho: O Caminho Para Redenção, seu quadragésimo-segundo trabalho diretorial, estreia nesta quinta-feira (16) nos cinemas e traz o lendário ator e diretor de volta ao sul dos Estados Unidos, na fronteira com o México, para conversar (novamente) sobre seu passado, dessa vez reconhecendo os personagens de sua longa carreira como solitários e destruindo a ilusão da masculinidade estoica de caubóis como salvação.
Olhar para trás, com seus olhos azuis cansados e rodeados de rugas, é algo feito por Eastwood diversas vezes em sua carreira. Só recentemente, há vários exemplos. Em A Menina de Ouro, ele se veste de mentor torturado, cedendo o holofote. Em Gran Torino o vimos abraçando a ideia de ter sua eficácia em combate questionada pela idade. Talvez o maior momento de reflexão tenha vindo em 2018 com A Mula, seu último trabalho como ator até Cry Macho, quando Eastwood - pai de pelo menos oito filhos e com histórico complicado de relacionamentos amorosos - reconheceu as falhas familiares e pessoais. Agora, O Caminho Para Redenção observa o cineasta confrontando sua escolha de papéis.
Desta vez, Eastwood interpreta Mike Milo, um ex-campeão de rodeio cujas costas foram quebradas depois de cair de um cavalo e a família destruída num acidente de trânsito. Agora, para pagar um favor do seu passado, ele deve cruzar a fronteira e trazer o adolescente Rafael (Eduardo Minnett) de volta para seu pai (Dwight Yoakam) e para longe da mãe abusiva (Fernanda Urrejola). Como convencer um garoto a deixar para trás sua vida de campeão de brigas de galo com seu animal de estimação, Macho, e ir para os EUA? O menino é besta por caubóis, explica o pai ao enviar Mike nessa missão.
Então começa uma cujo ritmo só não é mais lento do que o andar de seu protagonista. Eastwood recebeu uma oferta para estrelar Cry Macho quando tinha 58 anos e recusou por se achar novo demais. Após mais de três décadas de espera e envelhecimento, aos 91, ele finalmente se viu no momento de adaptar o livro homônimo de N. Richard Nash, andando a passos lentos e tirando cochilos constantemente. Inicialmente, Mike conquista o interesse de Rafa ao falar sobre seu passado cavalgando, mas o fascínio do adolescente pelo homem de chapéu e poucas palavras se perde conforme os efeitos da idade ficam claros.
Entretanto, num roteiro gentil e sem grandes conflitos - a mãe de Rafa envia pessoas atrás de Mike, mas nunca há um senso grande de ameaça - Eastwood substitui o machismo pela construção de relacionamentos significativos. Seu ex-caubói ainda consegue domar cavalos selvagens e, para se esconder dos perseguidores, decide passar algumas semanas numa pequena vila trabalhando com um vendedor. Lá, ele ensina o garoto a cavalgar, se torna o veterinário não-oficial da população e até começa a flertar com uma mulher local, a bondosa Marta (Natalia Traven).
Cry Macho toma algumas decisões fáceis demais no roteiro para fugir dos momentos de ação (mas Eastwood dá pelo menos um soco na cara de uma pessoa, nada mais justo) e às vezes desacelera ao ponto de quase se tornar um "slice-of-life", observando o cotidiano de Mike e Rafa no México. Entretanto, uma combinação de atores carismáticos - Clint ainda consegue transmitir multidões de sentimentos com seu olhar, enquanto Minnett se transforma o substituto da audiência ao acompanhar seu novo mentor e Traven, em especial, adiciona um calor humano muito bem-vindo ao filme - e honestidade temática deixam até essas cenas interessantes, mesmo com a direção clássica e conservadora, favorecendo uma fotografia de câmeras fixas e trilha sonora minimalista. Ajuda, também, a duração de 1h45.
Aos poucos, Mike e Eastwood deixam claros estarem mais interessados, seja na ficção ou na vida real, em buscar essa vida tranquila. O diretor e estrela chega a dizer para Rafa, um adolescente fascinado com conceitos de masculinidade forte (seu galo se chama "Macho" porque vence muitas lutas) que estas ideias são a resposta de homens à solidão, usando a bravura para preencher a vida. Essa descrição seria adequada ao Homem Sem Nome que Eastvood viveu nos filmes de Sergio Leone, ou talvez para William Hunny em Os Imperdoáveis, sua obra máxima de 1992. No fim, ele explica, esses caubóis terminam com sua suposta coragem e nada mais.
Nas mãos de outros diretores, esse discurso metalinguístico ficaria preso aos diálogos e discursos. O histórico cinematográfico de Eastwood, porém, enriquece esse texto. É justo questionar como pessoas sem conhecimento do passado desse ícone do cinema norte-americano vão reagir a Cry Macho: O Caminho da Redenção, mas observado como uma análise do cineasta de suas próprias escolhas, ele é um documento fascinante.
Nota: 3.5/5

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