The Girl with the Needle levanta um espelho desesperador para a sociedade

The Girl with the Needle levanta um espelho desesperador para a sociedade

O filme foi exibido no Festival de Cannes 2024

Guilherme Jacobs
17 de maio de 2024 - 5 min leitura
Crítica

A abertura de The Girl with the Needle é pura agonia. O sombrio e rigoroso filme de Magnus von Horn começa com uma montagem surrealista onde rostos, primariamente femininos, gritam e se contorcem enquanto são sobrepostos um no outro, preenchendo espaços, esticando a pele e se transformando numa coleção de desespero. É uma prévia do que vem nos minutos seguintes, quando o diretor sueco coloca em tela uma história assombrosa e, infelizmente, real.

Tudo começa com Karoline sendo jogada pra fora de seu apartamento pelo proprietário e nos dando o primeiro de muitos exemplos de como Vic Carmen Sonne precisará encarnar uma mulher frequentemente descartada pela sociedade mas, de forma quase inexplicável, insistente em continuar vivendo apesar dos maus tratos e infortúnios que sofre. Esses, ao longo do filme, incluem o retorno de seu marido, dado como morto na Primeira Guerra, com cicatrizes horríveis no rosto e no psicológico e uma promessa descumprida de um novo casamento com um homem rico que mudaria drasticamente suas circunstâncias.

Não é um acidente que todas as figuras acima são homens. The Girl with the Needle é primariamente um filme sobre a facilidade com a qual mulheres são jogadas para as extremidades de um mundo maldoso, ainda mais naquela época, e as graves consequências disso. Von Horn exercita controle paciente na criação de uma atmosfera gótica beirando ao horror, com ajuda espetacular da fotografia preta-e-branca de Michal Dymek, cujas lentes sempre encontram o equilíbrio correto entre luz e sombras para maximizar o efeito de cada cena. O propósito dessa abordagem se revela com mais clareza quando as profundezas de The Girl with the Needle finalmente são exploradas. A história caminha a passos largos, mas cautelosos, para o pior cenário possível.

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Depois que é deixada por seu então amante, que prefere manter a riqueza da família a construir outro lar, Karoline se vê sozinha e grávida, e decide encerrar a gestação por conta própria com a titular agulha. A sequência é de intensidade ímpar, e von Horn demonstra total eficácia na escolha das composições que constroem o momento, interrompido pelo surgimento de Dagmar (Trine Dyrholm), uma mulher mais velha que apresenta uma possível solução. Tenha o bebê, ela diz, e depois me procure. Assim faz Karoline. Relutante no último momento, ela entrega a criança para que Dagmar a leve até uma família adotiva.

Entrar em mais detalhes dos acontecimentos que seguem essa decisão seria arruinar alguns dos momentos mais chocantes de The Girl with the Needle. Depois que Karoline convence Dagmar a contratar seus serviços como ama de leite, ela descobre a verdadeira missão desse serviço clandestino e supostamente honroso. Novamente, algumas coisas são melhor não descritas, primeiro pelo fator surpresa e depois pela natureza dos acontecimentos, praticamente indescritíveis ou inexplicáveis, de um ponto de vista emocional.

Talvez seja por isso que o roteiro de von Horn e Line Langebek Knudsen pareça ficar sem rumo na reta final de The Girl with the Needle. Esse filme jamais se propõe à exposição de forma explícita, confiando nas ótimas atuações de Carmen Sonne e Dyrholm, forças da natureza cujas feições parecem vindas de uma pintura assombrada, para comunicar a realidade das personagens. Ainda assim, o filme parece indisposto, ou desinteressado, a explorar mais a fundo algumas motivações e conclusões. Por mais talentosas que sejam as atrizes em seu centro, The Girl with the Needle acaba passando tempo demais andando em círculos.

Felizmente, tudo segue encenado com muito cuidado por von Horn, cuja construção de tom permanece afiada até o fim. A neblina densa com a qual ele envolve o filme é contraposta com a clareza de sua visão; cada imagem é uma peça necessária para erguer o espelho no qual o diretor reflete as piores qualidades de uma sociedade distante, mas semelhante a nossa. Por mais que nem todas as perguntas feitas por The Girl with the Needle sejam feitas da melhor maneira, a ausência de respostas é reveladora. Talvez por isso von Horn encerre o filme com uma montagem semelhante à abertura. Diante de tanta perversidade, o que podemos falar, ou fazer? Só nos resta o grito.

Nota da Crítica
EstrelasEstrelasEstrelasEstrelasEstrelas
Guilherme Jacobs

The Girl with the Needle

Drama
1h 55min | 2024
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