
Como o Superman de Richard Donner abriu o caminho para o cinema de heróis
Antes de Vingadores, Cavaleiro das Trevas e X-Men, havia Superman.

Crítica
É possível dividir filmes de heróis no cinema em algumas eras. Talvez seja justo dizer que depois Vingadores: Ultimato entramos na pós-modernidade, quando tudo é possível. A maioria concordaria que a era moderna começou com X-Men em 2000 e foi, então, solidificada com o combo Homem de Ferro e Cavaleiro das Trevas em 2008. Mas antes disso tudo, antes de múltiplas versões do mesmo personagem, antes de viagens no tempo e de grupos antes relegados à Série C de seus quadrinhos faturarem bilhões, havia Superman, de Richard Donner.
Donner faleceu aos 91 anos na última segunda-feira (5) e foi um pioneiro. Sua direção do clássico de 1978 e da continuação em 1981 estabeleceu os fundamentos e bases cujas características têm sido copiadas, desenvolvidas e estudadas pelos maiores lançamentos do cinema moderno quase 45 anos depois. Seu Superman serve até hoje como template para os estúdios modernos e poucos são os títulos capazes de alcançar a mesma admiração e importância cultural daquele blockbuster, estrelado por Christopher Reeve como Clark Kent, Gene Hackman como Lex Luthor e o inigualável Marlon Brando - seis anos após O Poderoso Chefão e um mísero ano antes de Apocalypse Now - como o cientista Jor-El.
O filme de Donner é o responsável por firmar conceitos tanto dentro da mitologia do Superman quanto na fórmula mestre por trás dos longas de heróis. Este longa estabeleceu na mente do grande público, por exemplo a interpretação da Fortaleza da Solidão e da sociedade Kryptoniana como uma baseada em cristais, ideia presente até na mais recente encarnação live-action do personagem na série Superman & Lois. Reeve, indiscutível como melhor ator a viver o personagem, também capturou a dualidade entre o garoto de Smallville e seu alter-ego como ninguém. É comum ouvir brincadeiras do tipo, "como ninguém percebe que Clark Kent é o Superman?" Mas isso é mais crível quando a atuação muda tão drasticamente assim que os óculos saem de seu rosto.
Donner percebe e destaca cada uma dessas facetas. Seu filme é o equilíbrio perfeito de ficção-científica fascinante, causando a reverência digna do gênero ao nos apresentar outro planeta e costumes, e de aventura épica desafiando os limites da sociedade humana. O cinema do fim dos anos 70 estava num processo de transição entre a Nova Hollywood de Scorsese, Coppola e Altman para os blockbusters de Steven Spielberg e George Lucas. Tubarão tinha dominado a bilheteria apenas três anos antes de Superman, logo antes disso, em 1977, um pequeno filme chamado Star Wars havia estreado.
Com Superman, Donner criou uma obra capaz de capturar as melhores influências de ambas escolas. Muito antes de Jack Nicholson se tornar o Coringa ou Michael Keaton se vestir de Abutre, Hackman - cujos créditos já incluam A Conversação, Bonnie & Clyde e a vitória no Oscar com Operação França - foi escalado como Lex Luthor. E precedendo o Odin de Anthony Hopkins ou o Mandarim de Tony Leung estava o Jor-El de Brando, um gigante entre gigantes. Donner e seu filme comandavam o respeito dos maiores nomes da década de 70. Ele estabeleceu o precedente para escalar os grandes astros como vilões e figuras paternas. Note como o nome de Reeve vem muito depois dos seus veteranos nos créditos de abertura.
Por que? Talvez seja porque Donner estava menos interessado em criar um produto, uma franquia ou um universo do que um filme. Até hoje, seu Superman traz mais peso e grandiosidade em suas modestas histórias do que as ameaças intergalácticas de Doutor Estranho ou Shazam. Isso não quer dizer, entretanto, que o cineasta era ignorante do potencial do gênero. Além de pioneiro, o diretor também era visionário, sua cena de abertura prepara o General Zod e seus comparsas para serem antagonistas apenas em Superman II, três anos depois.
Esse conhecimento antecipado da natureza blockbuster das adaptações de quadrinhos não interferiram, entretanto, na criação do mito de Kal-El como uma história de capaz de dominar nossa imaginação com cenas bem dirigidas e uma história cativante. A direção de Donner reconhecia a natureza quase espiritual do Superman transmitida através de sua bondade. "Quem faria um total estranho parece um idiota?" seu Clark Kent pergunta com tremenda honestidade. "Você não pode resolver os problemas da sociedade com uma arma," ele declara. Nossa sociedade, hoje, está mais interessada nos personagens com tons de cinza e morais complexas, mas o que Donner enxergava era que nada é mais ousado num mundo corrupto do que alguém perpetuamente gentil.
Nenhum momento em Superman captura tanto essa essência como quando o herói entra em ação pela primeira vez em frente à Lois Lane de Margot Kidder, a salvando de uma queda livre. "Calma, moça. Você está salva," ele diz com tranquilidade. "Você me salvou? E quem salvou você?!" ela exclama enquanto os olhos da atriz se arregalam com a mesma força dos da audiência nos cinemas ao ver o Homem de Aço voando com graça e imponência.
Agora, acreditamos que homens podem viajar no tempo, ressuscitar metade dos seres vivos no universo e derrotar criaturas celestiais. Tudo isso só é possível por que Richard Donner, um dia, nos ensinou a acreditar que o homem podia voar.

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