
Club Zero deixa a audiência rindo enquanto segura o vômito - Crítica do Chippu
Filme leva o conceito de "alimentação consciente" ao extremo

Crítica
À primeira vista, até soa legal. “Alimentação Consciente.” É o tipo de proposta bem recebida nos círculos sociais mais progressivos, especialmente quando a srta. Novak (Mia Wasikowska) fala dos benefícios da prática que ela prega em sua classe eletiva numa escola prestigiosa do Reino Unido. Mais saúde, menos dano ao meio-ambiente. Quem negaria essa iniciativa? Certamente não seus alunos, um grupo de adolescentes inseguros e com pais ricos, mas emocionalmente distantes. Em Club Zero, sua nova comédia de desconfortos, a diretora austríaca Jessica Hausner planta essa ideia como qualquer outra novidade do momento. Neste mundo, onde ser vegano é visto como uma moda ultrapassada, parar de comer está em voga.
Menos eficaz como uma sátira da nossa sociedade e mais empolgante por encontrar o humor perturbado numa versão socialmente aceita de body horror, Club Zero é um “ame ou odeie” instantâneo. Em sua estreia no Festival de Cannes, ele foi um dos mais rejeitados filmes da seleção de 2023, exceto por quem realmente o amou. Ambas reações são sensíveis. Hausner, que nunca fugiu de polêmicas no passado, aponta sua mira para tendências alimentícias para nos mostrar como a cultura de coach e um ar conspiratório podem ser combinadas para manipular crianças. No processo, ela não poupa ninguém. Sem medo de colocar escolas, pais e alunos politicamente ativos no holofote, Hausner leva a “Alimentação Consciente” até seu extremo para, no caminho, deixar sua audiência rindo enquanto segura o vômito.
A abordagem é desenhada para causar uma reação, e em alguns momentos Hausner se diverte demais com suas metáforas sem firmá-las num drama interessante. Em seu segundo ato, Club Zero corre o risco de definhar como seus personagens; Elsa (Ksenia Devirendt), Fred (Lue Barker), Helen (Gwen Currant) e Ragna (Florence Baker), satisfeito em insistir nos mesmos argumentos sem aumentar sua intensidade ou continuar a conversa. Quando funciona, porém, esse exercício em incômodo de Hausner acerta alvos pequenos em meio a um turbilhão de distrações.
É fácil interpretá-lo como uma crítica equivocada a professores, a métodos escolares alternativos ou ao ativismo de uma geração ainda nascente, mas a falta de embasamento presentes nessas tentativas também sugere que os interesses da diretora estão em outro lugar. Club Zero, de fato, não tem nada terrivelmente interessante a dizer sobre esses assuntos, e nem sobre aqueles nos quais Hausner realmente tenta morder, como especulação mascarada como ciência e cordialidade confundida com inaptidão. Quando os alunos da eletiva começam a ficar pálidos e mal-nutridos, os pais mais ricos se recusam a colocar a culpa em a professora, mas não porque a respeitam, e sim porque estão preocupados demais em serem os vilões. É melhor perder os filhos do que irritá-los.
A exceção à regra é Ms. Benedict (Amanda Lawrence, de partir o coração), mãe solteira de classe média cujo filho, Ben (Samuel D Anderson), entrou na classe só para completar sua nota e conquistar uma bolsa de estudos. Inicialmente desinteressado pelo discurso de Novak, ele começa a aceitá-la quando vê a possibilidade de dar um bom futuro para sua mãe em risco. Se nas famílias dos outros filhos Hausner não perde oportunidades de ser ácida, aqui ela abraça a sinceridade e encontra algo genuinamente tocante.
É um vislumbre de gentileza num mar de aflições capazes tanto de divertir de forma perversa quanto de perverter de forma divertida. O pavor causado por ver os corpos emagrecidos dos estudantes é igualmente impactante às gargalhadas desacreditadas quando Hausner faz a coisa mais nojenta possível envolvendo vômitos.
De fato, o roteiro de Hausner e Géraldine Bajard não tem os nutrientes que pensa, e frequentemente nos deixa com fome enquanto acredita estar oferecendo um banquete. Quando, porém, provamos a comida, é difícil não sorrir.
3/5

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