Bob Marley: One Love tenta, mas não consegue alcançar o ícone

Bob Marley: One Love tenta, mas não consegue alcançar o ícone

Cinebiografia da lenda do reggae tem carinho e amor por seu protagonista, mas oferece versão superficial de sua história

Guilherme Jacobs
8 de fevereiro de 2024 - 6 min leitura
Crítica

Se todo filme já começa com o desafio de ser bom, as populares cinebiografias de lenda da música precisam subir alguns degraus a mais por lidarem com a difícil missão de retratar alguém digno do título de ícone. É o caso de Bohemian Rhapsody, Rocketman, Elvis e tantas outros, e agora, de Bob Marley: One Love.

Os filmes acima têm graus variados de sucesso e fracasso, mas muito em comum. A fórmula da cinebiografia musical, afinal, é algo que já rendeu até paródias muitas vezes melhores do que essas grandes produções, que tipicamente fracassam na hora de capturar a complexidade e riqueza dos cantores como pessoas, símbolos e artistas, oferecendo algo mais parecido com um karaokê, especialmente porque, bom, os atores não cantam.

Dirigido por Reinaldo Marcus Green, uma escolha acertada dada o sucesso de King Richard: Criando Campeãs, One Love merece crédito por fugir um pouco da estrutura convencional de infância à fama, focando num período específico da vida do maior nome do reggae, quando em poucos anos ele precisou deixar seu país natal e uma onda aparentemente eterna de violenta, encontrar o som para um disco inédito e, eventualmente, receber o diagnóstico de câncer de pele. Há flashbacks para seus anos mais novos, e estes figuram entre as cenas menos inspiradas do longa, mas estamos com Marley no seu auge, e em alguns sentidos, nos seus baixos mais baixos.

Mas apesar do bom esforço de Green, Bob Marley: One Love não foge das armadilhas desse gênero. Não só vemos diferentes elementos de sua vida, como a fé, infidelidade, genialidade musical e paternidade, tratados como tópicos a serem abordados, e não fonte de drama e história, como também, por mais confortável que Kingsley Ben-Adir aparente estar no papel principal, um nada fácil de acertar, nunca pensamos estar acompanhando o verdadeiro Bob Marley.

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Talvez isso seja impossível. Fácil com certeza não é. Toda vez que tratamos de uma pessoa cuja personalidade é tão conhecida quanto sua arte, tentar reproduzi-la pode facilmente resultar em algo melhor descrito como imitação, e não uma recriação. Ben-Adir até chega perto, pelo seu carisma e sorriso fácil, e particularmente por como sua fisicalidade enche a tela nas cenas de ensaios e shows, mas a voz de Marley* ainda está lá, nos lembrando do vale entre intérprete e ator.

*Essa é umas decisões mais difíceis encaradas por filmes como esse. Ben-Adir até canta (bem) em situações menores, mas todo show pertence a Marley, e isso gera uma rachadura em nossa mente. Sabemos que o ator não está cantando. Por outro lado, o maior apelo de longas como One Love é ir ao cinema ouvir suas músicas favoritas num bom sistema de som.

O astro, porém, não é o principal problema. E nem Lashana Lynch, que encontra e aproveita cada pingo de humanidade em Rita Marley na sua atuação, mesmo aquelas ausentes do roteiro, um texto unidimensional e básico. Tal superficialidade é extra danosa dada a especificidade do discurso de Marley, um pacifista que eventualmente se tornou inseparável de sua própria mensagem. Não é à toa que, por falhar em encenar as nuances e energia do cantor, One Love acabe tornando as visões de mundo do homem em seu centro vagas e genéricas.

O que Marley pregou, uma insistente recusa em aceitar o menor de dois males e a violência no mundo, ainda detém poder, mas isso vem mais de nosso conhecimento prévio das letras de "War", "Redemption Song" e outras canções presentes no longa. Essas e outras musicas, aliás, também figuram em One Love quase como fanservice, e não como criações monumentais. Apenas "Redemption Song" consegue uma cena digna de seu status.

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É um momento mais quieto, mais íntimo e mais familiar, onde Green deixa o ar entre Ben-Adir e Lynch fluir de maneira natural, e não almeja uma atmosfera grandiosa. Isso ele reserva para os shows, e a despeito do uso interessante de imagens surrealistas como campos em chama e armas no meio da audiência, essas sequências são irregulares demais para arrepiar como o diretor deseja.

Está claro que Green, e todos envolvidos na produção, estão com o coração no lugar certo. Dos sotaques carregadíssimos dos atores (nos EUA, há gente pedindo legendas para um filme inteiramente em inglês) às diversas conversas sobre Jah Rastafari, One Love não pinta uma figura que não existiu, mas tampouco acerta detalhes o suficiente para parecer um retrato fiel. O escopo é grande demais para a execução. Assim como existe apenas um Michael Jackson e uma Amy Winehouse (boa sorte para os filmes deles), só há um Bob Marley. Ele não está nesse filme. Só algumas notas.

Bob Marley: One Love estreia nos cinemas brasileiros em 15 de fevereiro de 2024.

Nota da Crítica
EstrelasEstrelasEstrelasEstrelasEstrelas
Guilherme Jacobs

Bob Marley: One Love

Drama
Comédia
1h 47min | 2024
criticabob-marleybob-marley-one-lovereinaldo-marcus-greenkingsley-ben-adirlashana-lynchchippu-originalsguilherme-jacobs

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