
Back to Black é desafinado e desinteressante, ao contrário de Amy Winehouse
Cinebiografia não faz jus ao legado e ao tormento que foi a vida da cantora

Crítica
A fórmula das cinebiografias musicais quase sempre é a mesma: uma pessoa com talento é descoberta ou precisa se provar, faz sucesso, vem a crise e depois a redenção. Vez ou outra assistimos algo diferente como Não Estou Lá, por exemplo. Outras como Straight Outta Compton ou Johnny & June conseguem extrair algo a mais dessa fórmula. Rocketman, por exemplo, utiliza elementos lúdicos para seus números musicais. O que esses últimos três exemplos têm em comum? A sinceridade sobre a história de seus personagens.
Back to Black, a história de Amy Winehouse, tem diversos problemas, mas o maior deles é a falta de sinceridade com o legado e tudo o que a cantora passou ao longo dos seus anos de fama. O filme nunca chega a arranhar os grandes problemas da trajetória dela: Blake Fielder-Civil (Jack O'Connell), seu ex-marido, Mitchell Winehouse (James Marsan), o pai dela, e os tabloides. A forma como Mitchell é retratado no filme é de uma covardia tão grande, que só pode ser justificada como exigência para liberar a obra da cantora na produção. Algo que não seria inimaginável, tendo em vista todas as acusações e insinuações sobre seu comportamento com a carreira da filha. A mesma coisa com Blake, responsável por colocar as drogas na vida de Amy e por um relacionamento tóxico ao extremo, aqui, ele fica moldado como um vilãozinho pelo qual a cantora é apaixonada. Com direito a cena triste no banheiro com teste de gravidez ou outra abraçados na calçada depois de uma briga. O interesse abutre dos tabloides fica apenas na meia dúzia de fotógrafos na frente da casa dela ou de um restaurante e flashes.
A forma como o filme trata o impacto disso em Amy é tão ruim quanto. Duas ou três cenas da cantora andando por uma rua ou viela e um plano holandês para simbolizar que ela está confusa ou bêbada. O cúmulo é a forma como o filme utiliza a notícia de que a avó, uma das figuras mais importantes na formação da artista Amy Winehouse, tem câncer. A cena vira uma escada para que Amy saia na chuva em direção ao bar para beijar Blake e depois disso os dois comecem esse romance.
O filme então toma todo o tempo possível para mostrar o início do relacionamento dos dois, com cenas intermináveis. A do zoológico é de longe a pior. São mais de duas horas de duração, que ou poderiam ser reduzidas ou deveriam ser aproveitadas de forma correta. Não existe preocupação em mostrar o processo criativo de Amy, talvez o maior nome do Jazz e Pop que surgiu nos últimos 20 anos. É quase inacreditável que um filme sobre alguém que criou “Rehab”, “Valerie”, “Tears Dry on Their Own” e tantas outras canções icônicas, seja retratada da forma mais formulaica possível: sentada na cama com o violão, embaixo da árvore com um caderninho… e por aí vai. O filme se perde, como a maioria das cinebiografias, em querer abraçar diversos eventos da vida do artista e um longo período de tempo.
Para compensar, a diretora Sam Taylor-Johnson utiliza dos elementos mais clichês possíveis. O passarinho na gaiola, a sala com lençóis e cortinas brancas em um momento dramático, a cena dessaturada na chuva com um único elemento mais colorido e, claro, a montagem com passagem de tempo: Amy em câmera lenta, piscando e mudando de local ou passando na frente de pontos marcantes da sua vida, todos refletidos no vidro do carro.
O grande mérito do filme é a atuação de Marisa Abela. Se ela sofre no início do filme com a direção de Taylor-Johnson, mais parecendo uma caricatura de Amy, balançando o pescoço o tempo todo ou passando a língua no dente quando está irritada, ao longo da história, a atriz consegue prender a nossa atenção. A diretora afirma que Abela cantou do início ao fim do filme e isso realmente impressiona. Há momentos em que não é possível distinguir a sonoridade na voz dela ou da cantora. Mérito em um mundo que tivemos Bohemian Rhapsody - o filme.
O resumo da ópera, ou do Jazz, é que Back to Black é tudo que Amy Winehouse nunca foi: formulaico, sem ritmo, desinteressante e desafinado. A falta de sinceridade, coisa que sobrava em Amy e foi perseguida por isso, é imperdoável. Nenhuma cena de show como a de “Rehab” ou a que encerra o filme com “Tears Dry on Their Own” - ótimas, diga-se - vale o preço que o filme paga no final das contas.
Para os fãs de Michael Jackson, Back to Black é um grande sinal vermelho do que poder estar por vir. Para os fãs de Amy Winehouse, um atestado de que assistir ao documentário de Asif Kapadia ou um show como I Told You I Was Trouble - Live in Londoné uma forma muito melhor de passar duas horas com o legado da cantora.

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